A PRAÇA É DO POVO

Arena da "Copa-Cola" (clique para ampliar)

A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor

É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor!


O Povo ao Poder - Castro Alves


Por Cléber Sérgio de Seixas

Na antiguidade, os cidadãos gregos discutiam sobre política, realizavam suas cerimônias religiosas, seus tribunais populares, enfim, exerciam sua cidadania em espaços públicos conhecidos como ágoras - vocábulo grego para designar uma espécie de praça, etimologicamente derivado do verbo agorien, que originalmente significava tomar decisões, deliberar, discutir. Se o cidadão grego queria participar da vida social mais ativamente, deveria deixar seu oikos (seu lar, sua casa) e dirigir-se à ágora, um ambiente de convívio mais abrangente. A maior parte das cidades gregas da antiguidade tinha a sua ágora, sendo que a mais famosa era a de Atenas.

Em espanhol diz-se plaza enquanto no italiano pronuncia-se piazza. Já na última flor do Lácio é simplesmente praça. Qualquer que seja a língua, é na praça que o povo se distrai, se descontrai, expande suas fronteiras culturais e traz à luz suas reivindicações. Praça também lembra greve, pois na Place de Grève trabalhadores franceses lutaram por seus direitos no século XVIII. Nem toda praça são flores, como atestam as velas deixadas na Praça da Candelária em memória dos meninos assassinados em julho de 1993. Nesta mesma praça, um milhão de cidadãos exigiu eleições diretas para presidente em 1984.

A praça é do povo. Castro Alves descreveu-a como um antro onde a liberdade cria suas águias. O poeta dos escravos, que tanto cantou a liberdade em sua obra, foi homenageado em uma praça com seu nome em Salvador. Em Belo Horizonte, a Avenida Afonso Pena é marcada em seu percurso por uma grande estátua que evoca o mártir da Inconfidência Mineira: Tiradentes. Outra praça famosa da capital mineira, a Praça Sete de Setembro, marca o centro da cidade e tem em seu centro um obelisco de granito.

Ainda na capital mineira, a Praça da Estação, na verdade Praça Rui Barbosa, é parte de um importante conjunto arquitetônico composto, ainda, pela Serraria Souza Pinto, pelos viadutos de Santa Tereza e da Floresta e pelo Museu de Artes e Ofícios. O conjunto arquitetônico da Praça da Estação passou por reformas e foi entregue à população em 2004 como mais um espaço multicultural.

Na contramão da vocação cultural da Praça da Estação, contrariando a motivação da reforma pela qual passou, um decreto (13.798) assinado no dia 10/12/2009 pelo prefeito Márcio Lacerda, proibiu a realização de eventos de qualquer natureza na praça. A alegação da prefeitura é que a medida foi tomada devido às constantes depredações do local durante os eventos, além das reclamações de vizinhos incomodados com o barulho. Foi criada uma comissão para regulamentar os eventos através do decreto 13.863. Em 05 de maio último a prefeitura estabeleceu, através dos decretos 13.960 e 13961 que a utilização da Praça da Estação para eventos culturais e de lazer está sujeita ao pagamento de uma taxa a partir de 9.600 reais. Tais medidas equivalem à privatização daquele espaço público.

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A mercantilização da Praça da Estação ficou patente com a instalação naquele espaço de uma das Arenas Coca-Cola Copa do Mundo FIFA. Trata-se de uma megaestrutura composta de palco com equipamentos de luz e som para shows, painel gigante para transmissão dos jogos da Copa, tendas diversas, banheiros químicos, campos de grama sintética, além de espaços destinados à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros. A entrada está sujeita à doação de 1 Kg de alimento não-perecível porque, afinal de contas, toda megaempresa tem que fazer sua filantropia para ser reconhecida com empresa cidadã.

Tal evento inaugura uma nova era na história daquela praça: aquela na qual só terão acesso àquele espaço os que puderem pagar caro, e muito caro, diga-se de passagem.

O povo de Belo Horizonte, já com poucas opções de lazer e cultura, na prática, perde mais um espaço cultural e de entretenimento. Talvez seja um sinal dos tempos, já que vivemos numa era em que tudo tem seu preço, inclusive a cultura, cada vez mais confundida com entretenimento.

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