Um salto no abismo


Por Cléber Sérgio de Seixas

O fim do kirchnerismo na Argentina e o resultado das eleições na Venezuela, com a oposição ao chavismo assumindo a maioria das cadeiras na Assembléia Nacional, assanhou a mídia tupiniquim, ansiosa por um efeito dominó que resulte na debacle de todos os governos pós-neoliberais da América Latina. 

Aqui na Terra Brasilis respira-se os ares de um golpe branco por conta do pedido de impeachment da presidenta Dilma acolhido pelo presidente da Câmara. Ficou claro que o pedido protocolado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal, e aceito por Eduardo Cunha, foi uma retaliação deste ao PT ao saber que os deputados petistas votariam contra ele na Comissão de Ética da Câmara, onde será investigado por quebra de decoro parlamentar. A vendetta é confirmada quando se constata que Cunha, havia meses, colecionava pedidos de impeachment em sua gaveta e, duas horas após saber da decisão dos deputados do PT, resolveu dar andamento a um deles.

Enquanto Eduardo Cunha fazia manobras para salvar seu mandato e, por outro lado, para abreviar os dias de Dilma no Planalto, veio à tona uma carta aberta do vice Michel Temer em cujo teor o presidente do PMDB, praticamente, rompe com o Planalto. Nesse interregno, foi divulgado o documento “Uma Ponte para o Futuro” - espécie de plano de governo do PMDB numa eventual substituição de Dilma por Temer via impeachment da Presidenta. Assinado pela Fundação Ulisses Guimarães, o documento traz propostas que fariam o desenvolvimentista Celso Furtado revirar-se em seu túmulo. Na carta-rompimento, Temer ousa afirmar que se trata de um programa “aplaudido pela sociedade”. Antes de passar à análise do que é proposto no supramencionado documento ou aplaudi-lo, faz-se necessário situar, brevemente, o PMDB no atual cenário político nacional.

Desde que chegou ao poder, o PT tem optado pelo presidencialismo de coalizão. Neste estilo de governar, o PMDB foi, desde o primeiro governo Lula, e continua sendo, uma espécie de afiançador da governabilidade. A opção pelo PMDB fica mais clara se à luz da constatação de que este partido – o MDB dos tempos do bipartidarismo imposto pelos militares - foi o que mais saiu fortalecido dos estertores da ditadura militar. Findos os anos Sarney, acostumada ao poder, a agremiação dos saudosos Tancredo Neves e Ulysses Guimarães tornou-se um partido camaleão, ou seja, aquele que é sempre situação, não importa a coloração político-ideológica do governo federal. O PMDB, campeão das urnas nas últimas eleições, é também um partido dominado pelo fisiologismo e pragmatismo, apesar de em seus quadros existirem notáveis como os senadores Roberto Requião (PR) e Pedro Simon (RS). Esse modelo de coalizão partidária, tendo o PMDB como fiel da balança, no entanto, já se mostra carcomido, sobretudo se levado em conta o apetite insaciável do PMDB – que atualmente conta com sete ministérios - por cargos nas administrações direta e indireta.

Apesar dos avanços no campo social desde que o PT chegou à Presidência, é notório que os governos Lula e Dilma obedeceram à ortodoxia do mercado financeiro e dos interesses do grande capital e do rentismo. Um dos maiores erros do PT no governo federal foi manter o assim chamado “sistema da dívida”, que nada mais é do que utilizar a dívida pública como instrumento de desvio de recursos públicos para o sistema financeiro. A recente substituição de Joaquim Levy por Nelson Barbosa na Fazenda parece indicar uma mudança de norte do governo em termos de políticas econômicas e fiscais, uma correção de rota de quem parecia rumar para o “austericídio”. 

Enquanto os governos Lula e Dilma promovem a combinação de uma espécie de semi Estado de Bem Estar Social com elementos da ortodoxia neoliberal derivada do Consenso de Washington, o programa “Uma Ponte para o Futuro” do PMDB significa aprofundar o neoliberalismo. Para isto, propõe o ajuste fiscal via aperto das contas públicas, a retirada de direitos sociais, desvinculando e retirando recursos destinados a saúde e educação, com o objetivo final de pagar juros da dívida pública. Em outras palavras, trata-se de um projeto que, caso implementado, atingiria dura e profundamente a vida dos trabalhadores brasileiros.

Em um dos trechos de sua bula, o PMDB – ou parte dele, para ser mais justo – logo avisa que o remédio é amargo: “Nosso desajuste fiscal chegou a um ponto crítico. Sua solução será muito dura para o conjunto da população...”. Como já afirmou o senador Lindberg Farias (PT-RJ), trata-se de um programa neoliberal radical que nunca teria aprovação popular num processo eleitoral, haja vista que preconiza a retira de direitos dos trabalhadores garantidos na Constituição. 

“Os problemas fiscais acarretados pela previdência social não são um privilégio brasileiro. (...) As causas destes problemas são simples: as pessoas estão vivendo mais e as taxas de novos entrantes na população ativa são cada vez menores. A solução parece simples, do ponto de vista puramente técnico: é preciso ampliar a idade mínima para a aposentadoria, de sorte que as pessoas passem mais tempo de suas vidas trabalhando e contribuindo, e menos tempo aposentados. Não é uma escolha, mas um ditame da evolução demográfica e do limite de impostos que a sociedade concorda em pagar”. Neste trecho, a proposta de ampliação da idade mínima para aposentadoria é apresentada como se fosse um postulado de uma lei natural, quando, na verdade, é típica proposição neoliberal. 

Já “na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as Normas...” é uma criminosa proposta peemedebista que substitui a segurança do que é legislado pela insegurança do que é negociado. Em outras palavras, trata-se de precarizar as relações de trabalho, de rever a CLT, vulnerabilizando o trabalhador e enfraquecendo os sindicatos frente ao patronato. Isso poderia implicar, por exemplo, em que o depósito do FGTS do trabalhador, que hoje gira em torno de 8% mensais, fosse reduzido a 0,8% aos mês se assim fosse acordado em convenção coletiva. Da mesma forma, caso negociado, o 13º salário, que sempre é pago até o dia 20 de dezembro, poderia ser dividido em várias parcelas, descaracterizando totalmente este importante benefício trabalhista. Em suma, a prevalência do acordado sobre o legislado resulta em retirar proteção estatal do campo laboral, introduzindo em seu lugar uma lógica predatória de mercado, que jamais primará pela geração de mais empregos.

Outra proposta de “Uma Ponte para o Futuro” visa enfraquecer acordos regionais de comércio sul-americanos, como o Mercosul: “realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles”. Entenda-se o “com ou sem a companhia do Mercosul” como a preeminência das relações econômicas com os parceiros do norte, nos moldes da ALCA, em detrimento daquelas feitas com parceiros econômicos da América do Sul.

É ponto pacífico que uma das medidas que mais contribuiu para a redução da desigualdade na última década foi o aumento real do salário mínimo e a fixação deste como índice (indexação) para pisos previdenciários e assistenciais. Propondo ajustes no orçamento, e o retorno ao que chama de orçamento verdadeiro, o documento do PMDB pretende por fim a tal indexação: “Outro elemento para o novo orçamento tem que ser o fim de todas as indexações, seja para salários, benefícios previdenciários e tudo o mais. (...) Quando a indexação é pelo salário mínimo, como é o caso dos benefícios sociais, a distorção se torna mais grave, pois assegura a eles um aumento real, com prejuízo para todos os demais itens do orçamento público”. Imagine-se o impacto disso na vida daqueles que se encontram na base da pirâmide socioeconômica brasileira, tendo em consideração que a maioria no mercado formal de trabalho é constituída de assalariados.   

Assim sendo, não é temerário concluir que a ponte do futuro do PMDB é na verdade uma ponte para um passado neoliberal de triste memória. Trata-se, na verdade, de um mergulho em profundezas que, de tão escuras e abissais, podem dificultar o retorno à superfície. Portanto, o programa neoliberal do PMDB não merece os aplausos dos trabalhadores brasileiros.

Tempos sombrios podem se instaurar no Brasil caso Dilma seja apeada do poder através do golpe branco, eufemisticamente chamado de impeachment, que hora se ensaia. Além de alas do PMDB e do PSDB, não são poucos os dispostos a desconstruir o ciclo de desenvolvimentismo iniciado na última década em troca de benefícios classistas ou particulares oriundos do alinhamento aos interesses da banca ou das grandes empresas transnacionais. 

Comentários

Anônimo disse…
O SER HUMANO PRECISA DE EVANGELHO. OS POLÍTICOS PRECISAM DO EVANGELHO SEMPRE;SENÃO, FRACASSARÃO SEMPRE QUANDO FOR AJUDAR OS POVOS.