Sócrates e Joaquim Barbosa - semelhantes na origem, diferentes na têmpera

"A Morte de Sócrates", óleo de Jacques-Louis David.

Por Jeferson Malaguti Soares*

“Que o juiz não ceda a súplicas, que evite a condenação por rogos. Não dispense sentença a favor ou contra, mas pronuncie retamente e prometa não condescender com quem lhe agrada, mas proceda segundo as leis. Por isso, nem nós devemos nos habituar a proceder contra o vosso julgamento, nem vós deveis permitir que nos habituemos a fazê-lo”.

Este é um pequeno trecho da imponente defesa que fez Sócrates dirigindo-se aos juízes que o julgariam no processo. Quando acusado, imerecidamente, de cometer crimes por investigar coisas celestes e, com isto, desencaminhar a juventude de Atenas.

Sócrates nasceu em Atenas, no subúrbio de Alopece, no ano 470 a.C para alguns e 469 para outros. Morreu aos 70 anos, condenado pelos crimes citados. Filho de Sofronisco e Fenareta, pessoas simples do povo ateniense, ele artesão, ela, parteira. Para alguns, como Cícero, Sócrates teria feito a filosofia descer do céu à terra ao fazer gravitar suas teorias filosóficas em torno do homem e de seus eternos problemas: a verdade, a justiça, o bem, a virtude, o dever. Para ele, o sábio, assim como os juízes, deve, antes de tudo, preocupar-se com o bom agir e não com o resultado de suas ações. Dizia ele sempre: “conhece-te a ti mesmo antes de julgardes”. Seus principais seguidores foram Platão e Xenofonte.

“Dessa investigação, cidadãos atenienses, me vieram inúmeras calúnias como também me foi atribuída a qualidade de sábio. Na verdade sábio é Zeus, ao dizer no oráculo que a sabedoria humana é de pouco ou nenhum preço. Disse Zeus que são considerados sapientíssimos dentre vós (dirigindo-se aos juízes), aqueles que, como Sócrates, tenham reconhecido que em realidade sua sabedoria não carrega nenhum mérito”. “Só sei que nada sei”- reação de Sócrates ao pronunciamento do oráculo de Delphos, que o apontava como o mais sábio de todos os homens.

Seus acusadores foram mais tarde execrados em Atenas. Meleto, poeta lírico, o mais ativo dos acusadores, foi condenado à morte por injúria; Anito, rico industrial e muito influente no governo, foi exilado em Heracléia, onde acabou apedrejado pelo povo; e Lícon, um orador medíocre, suicidou-se em desespero, relegado por todos ao ostracismo.

Ao final do julgamento, já condenado pela maioria do júri popular de 501 pessoas, Sócrates reverencia a morte, pela sua indiferença em face do julgamento, sua ironia pungente, que espicaçava o orgulho da aristocracia ateniense, e sua soberana altivez. Recebeu impassível a sentença de morte. A filosofia era para ele o caminho da purificação da alma. Portanto, naquela altura da vida, a morte não lhe dizia nada. “Já estou no ponto em que os homens vaticinam melhor quando estão para morrer”, disse. Pediu a cicuta que lhe fora ordenado beber e morreu.

Joaquim Benedito Barbosa Gomes nasceu em Paracatu, Minas Gerais, em outubro de 1954. Advogado, Procurador da República, professor, jurista, hoje Presidente do Supremo Tribunal Federal, primogênito de oito filhos, pai pedreiro e mãe dona de casa. Foi arrimo de família quando os pais se separaram. Aos 16 anos foi para Brasília, sozinho, onde se formou em Direito. Antes de ser jurista, foi oficial de chancelaria da nossa embaixada em Helsinque, na Finlândia (1976-1979). É fluente em cinco línguas.

Origem pobre, venceu as dificuldades que a vida lhe impôs. No início de seus trabalhos no STF, Barbosa honrou a toga que vestia, acolhendo denúncias e abrindo processos, de forma ilibada, ordeira e com competência inquestionável.

Equilibrado juridicamente, ao ponto de desancar o ministro Gilmar Mendes, então Presidente do Supremo, em 2009, acusando-o de destruir a credibilidade da justiça brasileira, em vista do julgamento de duas ações referentes ao pagamento de previdência a servidores do Paraná. O bate-boca entre os dois fez com que a sessão fosse encerrada. Na ocasião, Barbosa estava coberto de razão. Mendes, como já ficara demonstrado em 2008, quando mandara soltar da cadeia por duas vezes o escroque Daniel Dantas, preso em duas oportunidades pela Operação Satiagraha, era tido como jurista das causas dos poderosos aliados dele. Barbosa saiu ovacionado do imbróglio.

O ministro, que já tinha uma certa notoriedade, viu crescer ainda mais seu prestigio a partir da Ação Penal 470, apelidada pela mídia de “mensalão do PT”. A partir daí, instado pela mídia e pela oposição a um julgamento rigoroso, deixou falar mais alto sua vaidade. A imprensa teceu loas à sua origem, a oposição pretendeu lançá-lo candidato à Presidência com o mote de que acabaria com a corrupção no país.

No entanto, Joaquim Barbosa foi mostrando-se, com o passar do tempo, exibicionista, dramático, demagógico, vaidoso, agressivo, irascível e extremamente desrespeitoso com seus pares do STF. Ao contrário de Sócrates, Barbosa acredita tudo saber e que é o mais sábio dos juristas. Além disto, começaram a surgir acusações contra ele pela forma como conduziu o julgamento da ação penal, passando por cima das leis a fim de condenar os réus a penas exorbitantes. Usou a presunção de culpa e negou aos acusados a presunção de inocência, como reza nossa Constituição. Ao mesmo tempo, foi constatado que Barbosa havia comprado um apartamento em Miami, de forma absurdamente irregular, além de uma viagem recente a Paris paga com diárias do poder público.

O castelo de Barbosa começou a ruir e começa a aparecer o lado sujo da sua família. Empregos na Rede Globo para o filho e no governo de Joaquim Roriz, de triste lembrança, para uma filha. O irmão, Gualberto Barbosa Gomes, arrumou emprego com a filha de Roriz - banda podre da política de Brasília. Com suas ligações sempre baseadas em jogos de interesses, Joaquim Barbosa segue mostrando sua verdadeira têmpera. A mídia e a oposição então o abandonaram. Seus colegas ministros do Supremo estão revendo o julgamento e eliminando denúncias. O tal “mensalão” começa a ser julgado com decência. E, ao que tudo indica, diferente de Sócrates, Barbosa não deixará seguidores, ao menos honestos.

Joaquim Barbosa não foi julgado por um tribunal, apesar de, aparentemente, constituir crime suas atitudes no julgamento do “mensalão”, e por ter engavetado outra ação, da qual também seria o relator - que trata do mesmo assunto, penalizando o PSDB de Minas, crime muito mais antigo -, por ser este um partido político de oposição ao Governo Federal, cujos líderes são do agrado do ministro.

Felizmente, a morte de Sócrates não enterrou junto com ele suas ideias. Elas permanecem até hoje nos ensinando, passados quase 2.500 anos. Já com relação a Barbosa, a História também vai lhe reservar um espaço. Ele será lembrado, assim espero, como um jurista que não honrou a toga que lhe impuseram. Como um jurista que negou suas origens. Como um jurista que cuspiu no prato que comeu. Como um jurista que não considerou a definição do Direito, conforme pregou Ruy Barbosa: “a força do direito deve superar o direito da força.” Que esqueceu que a titularidade do poder pertence ao povo e não a ele.

As origens de Sócrates e Barbosa são bem parecidas. Já a têmpera e o caráter, opostos. A morte de Sócrates foi cercada de uma dignidade irretocável. Barbosa não necessitará de morte material para entrar para a história negativa do judiciário brasileiro, uma vez já está irrefutavelmente morta sua dignidade. 



* Jeferson Malaguti Soares é administrador, consultor de empresas e colaborador deste blog.

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