Consciência negra e humana

Gustavo Menon*

Em um país onde o paladino do humor, Danilo Gentili, oferece bananas aos seus críticos, o dia da consciência negra serve de reflexão. O discurso do humorista segue a mesma lógica racista dos senhores de engenho: Gentili fala grosso (ou faz piada) com quem é subalterno e, por outro lado, fica manso quando está diante de coronéis, generais e gente graúda. Há muito preconceito entre nós. A explicação pra isso só nos remete a formação histórico-política na terra brasilis.

Lembremos que nosso querido país foi uma das últimas nações do mundo a extinguir oficialmente a escravidão, somente no final do século XIX, em 1888. Com uma velocidade digna de Rubens Barrichello (do Braziiuuu!), a inserção do negro na sociedade tupiniquim nunca foi uma prioridade. Na transição de Monarquia para República, por exemplo, não houve mudanças significativas nas estruturas de poder. Juntamente a isso, a abolição da escravatura se deu sem indenizações, reforma agrária e direitos elementares.

Sob o cenário do tronco e do açoite, para o negro, apenas, marginalização e a máxima exclusão.  Dizia-se, naquela época, que os negros deviam ser tratados com os três "P": pão, pano e pau.Por isso, apesar da “obrigação” de vestir e alimentar os escravos, seus proprietários tinham pleno direito de castigá-los.


Passaram-se os anos e o negro brasileiro ainda trás no lombo a marca do chicote da escravidão. A dicotomia entre casa grande e senzala, permanece. Os números são gritantes. Segundo DIEESE, os negros representam 48,2% dos trabalhadores nas regiões metropolitanas brasileiras, entretanto, a média de seu salário chega a ser 36,1% menor do que a de trabalhadores não negros.

Outro dado alarmante é o extermínio da juventude negra nas periferias das cidades.  Foram registrados assassinatos de quase 35 mil negros no ano de 2010, conforme aponta estudo sobre violência da Faculdade Latino-Americana. A pesquisa que monitora informações da violência no Brasil aponta que de 2001 até 2010, enquanto a morte de jovens brancos no país caia 27,1%, a de negros crescia 35,9%. Em matéria de saúde, de acordo com estudo do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do Ministério da Saúde, 41,5% das mulheres negras com mais de 40 anos nunca fizeram mamografia - contra 26,7% das mulheres brancas com a mesma idade.

Fizemos/fazemos pouco para combater a dominação. Existem avanços, claro; mas tal mentalidade retrógada e arcaica, herdada de nossas classes dominantes, permanece enraizada no seio da sociedade brasileira. É certo que alguns ainda sentem falta da chibatada.  Não é exagero dizer quea herança de quase quatro séculos de escravidão ainda encontra-se manifesta na população negra. Os resquícios abomináveis de outrora estão por aí: em Gentilis, Pondés, Azevedos e em outros porta-vozes da grande mídia.

Contudo, a cultura afro resiste. As comunidades quilombolas estão na luta pelo reconhecimento de seus direitos. As religiões afrodescendentes permanecem, em meio a perseguições de grupos religiosos radicais, sendo expoentes de liberdade e resistência.  Zumbi, mártir dos Palmares, permanece vivo no imaginário do movimento negro.

Que o dia da consciência negra, sirva, ao menos, para reflexão e luta - uma vez que igualdade racial está longe de ser alcançada. 

Por fim, um sorriso negro pra você, conservador de plantão, que não consegue compreender o significado desta data tão importante.

* Gustavo Menon é mestre em ciências sociais pela PUC-SP. Docente no SENAC-SP e na Faculdade de Ciências de Guarulhos – FACIG/UNIESP.


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