Sexo, religião, medievalidade e papado

Por Jéferson Malaguti Soares

Desde os primórdios da humanidade, sexo e religião estiveram próximos um do outro. Muitos cultos pagãos incluíam em seus rituais atos sexuais explícitos. Os gregos adoravam Príapo, o deus do pênis ereto, e seu equivalente romano era o deus Líber, de cujo nome originaram termos como libertinagem, libertino, libidinoso, todos de alguma forma ligados à prática sexual.

Mesmo depois da difusão do cristianismo entre os povos, a crença se defrontou com outra religião, muito mais sensual – o Islã. A idéia do paraíso muçulmano privilegia momentos eternos de prazer onde jovens de pureza virginal e beleza resplandecente acariciam até o mais humilde dos crentes. Já os cristãos esperam do paraíso arquitetura celestial, salmos cantados, sermões e o sol brilhando eternamente.  Nada de vestais encantadoras. 

A história da igreja cristã, no entanto, não é tão sóbria como faz parecer. Papas licenciosos, cardeais libidinosos, padres libertinos povoam a Igreja de Cristo desde Pedro até os dias atuais. Sodomia, pedofilia e pederastia faziam e ainda hoje fazem parte do cardápio diário de parte do clero.

Escândalos papais 

Santo Agostinho, que até os 30 anos viveu para fornicações, ao se converter, vaticinou: “Nada é tão poderoso para enfraquecer o espírito de um homem quanto os carinhos de uma mulher”. São Jerônimo, quando secretário de Damásio I (século IV), papa que desfrutava dos favores das mulheres mais importantes de Roma, não aprovava o modo de vida dos religiosos de sua época e advertia algumas mulheres virtuosas de que a Igreja Romana, leiga ou clerical, era monstruosamente corrupta e promíscua. Alguns papas nomearam cardeais seus amantes homossexuais ou seus filhos bastardos. Outros assassinaram seus concorrentes ao trono de Pedro. Paulo III (século XVI) prostituiu a irmã em troca do chapéu cardinalício (era chamado de “cardeal mulherzinha” por motivos óbvios). Escolhido papa, foi acusado de usar astrólogos e adivinhos para conseguir se eleger. E o que não dizer sobre Lucrécia Bórgia, iniciada nas práticas mais hediondas de safadezas pelos irmãos e pelo próprio pai, o papa Alexandre VI (Rodrigo Bórgia)?

Não obstante, os papas cuidaram de melhorar seu comportamento a partir do início do século XIX. A opinião pública estava mudando. Jornais sensacionalistas começaram a aparecer e eles, os papas, já haviam perdido boa parte de seu poder supragovernos na Europa. Nem mesmo a necessidade de serem mais discretos, porém, conseguiu obstar o aparecimento de mais escândalos, como o de Pio VI (final do século XVIII até inicio do XIX), lascivo e incestuoso; Leão XII (1823/1929), que se manteve no cargo graças a intrigas com cortesãos romanos; Gregório XVI (1831/46), que mantinha um apartamento no Palácio Quirinal, conjugado ao seu, onde se alojavam sua amante e sete filhos; Pio XI (1922/39), que apoiou Mussolini quando da invasão da Abissínia, atual Etiópia e, criticou católicos alemães pelas hostilidades a Hitler; Pio XII (1939/58), que se manteve distante do holocausto contra os judeus, da mesma forma que os papas seguintes mantém-se calados frente ao holocausto contra os palestinos, perpetrado pelos judeus desde 1948.

De volta às trevas

No entanto, mais adiante, papas como João XXIII (1958) e Paulo VI que o sucedeu em 1963, mostraram-se um pouco mais flexíveis quanto ao sexo, aceitando a famosa “tabelinha” como método contraceptivo, o que permitia desfrutar do sexo como fonte de prazer e amor, um gravíssimos pecado para os papas anteriores. João Paulo I comungava de mesma opinião, mas não teve tempo de aprofundar o assunto, pois morreu um mês depois de empossado. Teoria recorrente sobre sua morte dá conta de que foi assassinado, com uma chávena de chá envenenado, porque pretendia fazer uma faxina no Banco do Vaticano, na época dirigido pelo monsenhor Marcinkus, de péssima lembrança, além de pretender também revisar a HUMANAE VITAE, encíclica publicada em 1968 por Paulo VI que condenava o uso de qualquer anticoncepcional, antes, durante ou depois do ato sexual, além de tratar também de temas polêmicos para a igreja como o homossexualismo.

Abro aqui um parêntese para lembrar que o direito canônico proíbe a prática da autópsia em papas. Assassinatos então foram facilitados.

Já o papa João Paulo II (1978/2005) foi além, não contestando as teorias anteriores, conservador que era, mas evitando embaraço com temas cruciais para a igreja. Preferiu a omissão. Certamente pode ter sido um homem santo, e isto significa que sua vida não foi tão colorida como a de muitos de seus antecessores.

Os cardeais nos legaram então o papa Bento XVI que, além de reafirmar categoricamente, num documento de 131 páginas, todas as restrições medievais da igreja, implicitamente voltadas para o sexo, ainda tentou nos impor a volta retrógrada de missas em latim. Em que século pensou estar o ex-cardeal Ratzinger? O mundo caminha, a fila anda, a tecnologia globaliza os povos e o papa retroage perigosamente aos tempos obscuros das trevas e da inquisição. Por que Bento XVI, tampouco João Paulo II, não se pronunciaram energicamente contra as atitudes do famigerado homicida presidente estadunidense Bush filho, nem contra o genocídio contra palestinos praticado pelos governos judeus? Certamente porque legislar contra os mais fracos é muito menos perigoso!

Com Ratzinger a igreja romana voltou à era medieval. Bento XVI renunciou, derrotado pelas infâmias de sua igreja, descobertas e escancaradas ao mundo. Orgias financeiras e sexuais, mentiras grosseiras, falso puritanismo, homofobia, criminalização do aborto, esquecendo que o aborto em si já consiste em dura punição e que um dos maiores compromissos com a vida é o de sermos corajosos para vivê-la e responsáveis para gerá-la.

Um novo papa nos é apresentado pelos cardeais reunidos na Capela Sistina. Adotou o nome Francisco numa clara alusão à necessidade de a Igreja Católica realmente optar pelos pobres. Não como figura retórica, mas despida de vaidades e de riqueza absurda enquanto boa parte do mundo morre de fome. Aparentemente começou bem o novo papa, apesar das denúncias de favorecimento à ditadura argentina. Esperemos que assim continue e que a entourage vaticana não o tolha.

Lembrem ao papa Francisco que na periferia das grandes cidades e mesmo nas interioranas são raras as igrejas católicas e, quando as há, faltam-lhes padres. Oportunistas ditos evangélicos, na verdade protestantes neopentecostais, aproveitando-se da ausência de templos católicos em localidades humildes, fundam “igrejas” todos os dias com o fim precípuo de espoliar pobres desesperançados.

Que não se esqueça também a Igreja de Deus que a opção sexual das pessoas não lhes define o caráter e não as torna más ou portadoras do mal. Vide seus antepassados, muitos até canonizados, apesar da luxúria. Quem há de atirar a primeira pedra? O papa Bento atirou e foi defenestrado. Com essas atitudes desarrazoadas frente ao mundo moderno, a Igreja Romana se afasta cada dia mais de sua função primordial de apostolado e evangelização, abrindo espaço para aproveitadores de ocasião, esbulhadores de pobres famélicos, desesperançados, esquecidos, à espera de um milagre. Fazem da casa de Deus verdadeiros centros comerciais de espoliação e em alguns casos também de pura libertinagem.

Seja bem vindo Francisco e que Deus o proteja da cúria católica apostólica romana e o livre da doença do conservadorismo, do fundamentalismo e da medievalidade.

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