Preso não é mercadoria, cadeia não é negócio!

O que o governo de Minas Gerais não disse e a imprensa não quis ouvir sobre a inauguração de presídio privatizado em Ribeirão das Neves.


Por Rosely Carlos Augusto e Michel Marie Le Ven *

Nessa semana (14 a 18/01/13) o governo de Minas Gerais abriu as portas da primeira unidade de mais um complexo penitenciário em Ribeirão das Neves para a imprensa. Os jornais noticiaram, repetidamente, as inovações tecnológicas de segurança e as instalações físicas do que consideram a maior inovação do sistema penitenciário na América Latina: privatizar o sistema, ou seja, abrir mais um negócio para os capitalistas. No caso, empresas (do ramo da construção civil) dos estados do Paraná e São Paulo. 

Mas o que o Governador e o Secretário de Defesa Social não disseram é que na contabilidade capitalista não existe filantropia, não existe trabalho ou negócio sem lucro. De onde vão tirar o lucro? Primeiro, a fonte anunciada de investimento foi o BNDES. Segundo, elevaram o preço dos custos por preso para R$2.700,00 mensais (preço de inauguração!). E não tem mágica para tirar lucro. Para tal, os salários deverão aos poucos serem corroídos e rebaixados, a qualidade dos serviços deverá cair para a segunda ou terceira categorias, as promessas dos serviços de assistência espaçados e rebaixados. Essa história todos nós conhecemos. No final, quem “paga o pato” é a sociedade e, no caso, diretamente, o preso. 
Nos EUA, onde esse negócio já existe há mais de uma década, tem rendido muito aos capitalistas, mas a violência não diminuiu. O que aumentou foi o número de pessoas nas cadeias. E o ser humano, que já não vale nada (“é bandido!”), tem sua desumanidade aprofundada e levada ao extremo. E ninguém duvida da péssima qualidade que temos nos presídios do Brasil, o que é declarado até pelas autoridades constituídas. 

Não serão, é lógico, os capitalistas que vão melhorar essa realidade. A sociedade contribui com impostos e definiu na Constituição Federal que é o Estado brasileiro o responsável pelos cuidados e a execução das penas de quem vai para as prisões. Mas aqui em Minas Gerais, o governo está se desresponsabilizando de suas funções, a imprensa não divulga e os órgãos de justiça não condenam.

O governo estadual não disse e a impressa não quis ouvir que a população de Neves repudia essa inauguração e vem lutando, desde 2005, contra mais prisões na cidade. Não porque tem preconceito contra preso, mesmo porque aqui vive boa parte dos familiares dos detentos de todo o estado de Minas Gerais. O que a imprensa não quis ouvir e o governo não disse, é que mais prisões implicam em que os serviços públicos de saúde, transporte, educação e assistência social, que já são precários, vão ficar ainda piores no município. Sem falar da precariedade física e de pessoal nos órgãos judiciários, que vão ficar mais lotados e morosos com mais presos e seus familiares na cidade.

A imprensa tem memória curta, e o governo não contou para ela que suas promessas de compensação social para a cidade nunca chegaram. Prometeu, desde 2003, melhorar a rodovia estadual (LMG 806) que liga o centro da cidade a Justinópolis e BH. Mas ela continua estreita, lenta e matando gente. Mas, com certeza, já rendeu muitos votos ao governo atual. Os políticos anunciam todos os anos que o governo estadual está mandando milhões de dinheiro para o Hospital São Judas Tadeu, mas eles não chegam. O governo diz que mandou e o prefeito diz que não viu. Onde está o recurso? Será que o “gato comeu”? 

O governo não disse e a imprensa não quis ouvir que não há compensação e o governo ainda aumentou sua dívida social e ambiental para com a cidade. Ele está construindo um complexo penitenciário de 14,5 ha, num terreno de 2000 ha da Fazenda Mato Grosso, área declarada como de preservação ambiental (APA), destruindo matas e córregos. E está destruindo mais uma dezena de hectares para construir uma nova estrada ligando o presídio à BR 040. E conseguiu isso com muita manipulação dos órgãos e conselhos de meio ambiente do Estado. 

O que o governo não disse e a imprensa não quis ouvir é que está agindo de forma inconstitucional e ilegal, ferindo a Constituição federal e a Lei estadual 12.936/98, que em seu artigo 6º limita a capacidade da unidade a um máximo de 170 (cento e setenta) presos, sendo que estão sendo construídas cinco unidades para 3040 (três mil e quarenta) sentenciados, distribuindo em cada uma cerca de 600 presos. Além disso, a própria lei que regulamenta as parcerias público-privado (PPP), Lei 11.079/04, estabelece “a indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado”, ou seja, o Estado não pode e não deve repassar suas funções sociais para serem executadas pela iniciativa privada. 

O que o governo não disse e a imprensa não quer ouvir é que a inauguração de mais um presídio em Ribeirão das Neves, em parceria público-privada, não tem nada de novo e é ilegal, imoral e inconstitucional.

O que a imprensa não quer divulgar é que a sociedade civil organizada da cidade vem se fazendo ouvir e exercendo sua liberdade de expressão desde 2005, quando criou a Rede Nós Amamos Neves exatamente para expressar a recusa da população de Neves à imposição autoritária dessa penitenciária privatizada ao município, que já acolhe mais de 10% dos 45 mil detentos de Minas Gerais. E assim a população vai continuar: lutando e denunciando, seja na rua ou nas ações jurídicas, esse projeto de injustiça e morte.

* Rosely e Michel são membros do CEPI - Centro de Estudo, Pesquisa e Intervenção Ribeirão das Nevese - e da Rede Nós Amamos Neves.


Fonte: Blog da Rede Nós Amamos Neves

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