Guerrilha urbana no cinema

Marighella, um dos principais líderes da luta armada contra a ditadura militar, é tema de filme e livro.

“Para mim, ele era o tio Carlos, brincalhão, que fazia paródias das músicas de Roberto Carlos com os nomes dos nossos colegas. Ele sempre se escondia lá em casa. Uma vez, para explicar as ausências, inventou que tinha ido à África e trazido várias cobras dentro de caixas de sapato, para o Butantan, em São Paulo”, lembra a cineasta Isa Grinspum Ferraz. O tio de Isa era Carlos Marighella (1911-1969), um dos principais líderes da luta armada contra a ditadura militar no Brasil. Em agosto, chegará pela primeira vez aos cinemas um filme sobre ele, dirigido pela sobrinha. No segundo semestre, será lançada uma biografia, após anos de pesquisa do jornalista Mário Magalhães, consultor do filme.

A produção de “Marighella” enfrentou alguns desafios logo de cara. A equipe pesquisou em Cuba, Moscou, Pequim e em vários arquivos do Brasil, mas não achou nenhuma imagem em movimento do militante. E as fotos – pouco mais de 20 – são todas do acervo da família. “Ele não podia deixar rastro. Queimavam coisas dele depois que ele saía lá de casa. Muitas pessoas que o conheceram mantiveram segredo sobre isso e só agora estão falando. Talvez por eu ser sobrinha, consegui que se abrissem comigo”, conta a diretora, que entrevistou ex-guerrilheiros e alguns parentes, como a viúva do ativista, Clara Charf, e o filho, Carlinhos Marighella.

A pesquisa, que incluiu documentos da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) e gravações feitas em Cuba nos anos 1960, rendeu descobertas interessantes. “Os documentos da CIA confirmam como a agência estava envolvida na formação de torturadores na época. Mas em outros arquivos descobrimos coisas que não conhecíamos, como um movimento de apoio na Europa. Artistas como Joan Miró e Jean-Luc Godard enviaram dinheiro para Marighella”, revela Isa.

Segundo Daniel Aarão Reis Filho, historiador da Universidade Federal Fluminense, Marighella ganhou respeito mundo afora, em grande parte pela militância na clandestinidade e pela experiência no Partido Comunista Brasileiro. “Ele representava uma espécie de síntese das virtudes então mais consideradas entre as esquerdas radicais. Tinha audácia, decisão de partir para o enfrentamento, capacidade de trabalho prático e comunicação fácil e fluente, inclusive com os jovens. Tudo isso misturado a muita irreverência, um bom humor permanente e uma ironia cortante na crítica às velhas tendências hegemônicas. Tais virtudes fizeram com que Marighella fosse ao mesmo tempo respeitado, admirado e querido”, explica.

Esse documentário não é o primeiro sobre o militante. Silvio Tendler já havia lançado na televisão, em 2010, “Marighella – Retrato falado do guerrilheiro”. Mas Isa pretende mostrar um recorte diferente: “Perguntaram se eu não ia ouvir o outro lado dessa história, a direita política. Eu não vou gastar tempo do meu filme para falar do ponto de vista que todo mundo sabe. Estou mostrando o ponto de vista de quem conviveu com ele”.

Fonte: Revista de História - edição nº 1, junho de 2012.

Nota do blog: reproduzimos abaixo o trailer do filme "Marighella".


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