Dos efeitos do marketing político


Por Cléber Sérgio de Seixas

Na semana passada, o anúncio do apoio de Paulo Maluf (PP) à candidatura de Paulo Haddad (PT) à prefeitura de São Paulo provocou escândalo, sobretudo na esquerda mais ideologizada. As imagens de Lula e Haddad saudando Maluf na casa deste para selar o apoio foram veiculadas à exaustão nos veículos de comunicação. Por conta de tais imagens, Luiza Erundina - que em 2004 aceitou uma aliança com Orestes Quércia (PMDB) - abandonou o barco. A velha imprensa aproveita o episódio para alfinetar Lula e o PT, salientando o pragmatismo político de ambos.

É oportuno dizer aos jornalistas, aos editorialistas e aos colunistas da dita grande mídia, e mesmo aos militantes de esquerda mais aguerridos, que tal pragmatismo político não é uma exclusividade petista, e que suas origens se confundem com as da própria política - nem Lula nem Maluf são pioneiros na realpolitik.

Quem poderia supor que Stalin faria um pacto com Hitler (Pacto Molotov-Ribbentrop) nas vésperas da Segunda Guerra Mundial? E quantos foram os que se escandalizaram quando Luís Carlos Prestes anunciou seu apoio a Getúlio Vargas nas eleições presidenciais de 1950, apesar de o Cavaleiro da Esperança ter perdido nove anos de sua vida na prisão, bem como sua amada Olga Benário por conta da implacável perseguição getulista?


Assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop

Quando da visita de Lula a Maluf acompanhado do candidato Haddad, a velha raposa disse o seguinte: "Não tem mais no mundo esquerda e direita. A esquerda está onde? Na Rússia? Tá na China, que não tem direitos humanos? Tá em Cuba, que deporta seus boxeadores? Não tem direita e esquerda, o que tem hoje é efficacité, ou você é eficaz e produtivo ou o povo te manda democraticamente pra casa". A malandragem malufista tenta atirar esquerda e direita na vala comum da tecnocracia e se esforça para encobrir as muitas conquistas das experiências socialistas russa, chinesa e cubana, além de superestimar o poder do voto. Não se deve ignorar os erros das experiências socialistas supramencionadas, mas por em relevo apenas seus erros é pura desonestidade intelectual. Em Cuba, por exemplo, mesmo se padecendo os efeitos de um criminoso bloqueio econômico e de toda sorte de sabotagens por parte do império do norte – o que justifica a manutenção de um Estado forte -, o governo consegue garantir educação e saúde gratuitas e de qualidade a toda sua população, algo impensável em muitos países ditos democráticos.

 Erundina com Quércia em 2004

Sobre a inexistência de diferenças entre esquerda e direita na contemporaneidade, Norberto Bobbio afirma o seguinte: “são de direita todos aqueles que consideram a desigualdade social aceitável. E de esquerda todos aqueles que a consideram uma abominação a ser erradicada”. Os termos “esquerda” e “direita” são tributários da Revolução Francesa quando, no parlamento, os que se assentavam à esquerda queriam o fim da monarquia, enquanto os que se posicionavam à direita do rei votavam pela conservação do regime. Durante a Revolução Francesa, a burguesia era progressista. Atualmente, se situa no pólo conservador da política, procurando manter seu status quo de classe economicamente dominante, em detrimento dos interesses da maioria, ou seja, da grande massa de trabalhadores. Assim sendo, qualquer governo que dê mais prioridade aos interesses dos trabalhadores pode ser considerado de esquerda.

A imagem de Lula e Maluf apertando as mãos tem causado asco e desconforto entre boa parte da militância de esquerda do país, sobretudo pelo fato de ocuparem lados opostos do espectro político. Com certeza, o desconforto teria sido menor se a aliança tivesse sido selada nos bastidores, sem a ida de Lula à casa de Maluf e sem a pose para fotos com o cacique do PP. O escândalo é justo, mas deve-se considerar a questão com mais profundidade.

O imbróglio político onde se meteram Lula e o PT paulistano só é compreensível à luz da política de resultados à qual se rendeu (ou foi obrigada a render-se) parcela considerável dos partidos de esquerda no Brasil. Não se deve esquecer que nos bastidores do aperto de mão de Lula e Maluf estão aproximadamente um minuto e meio a mais na propaganda eleitoral televisiva.

Como o uso dos meios de comunicação é cada vez mais relevante no modelo eleitoral brasileiro, é quase impossível a um candidato se eleger se abrir mão do marketing político. O profissional dessa área, às vezes chamado de marqueteiro, cada vez mais toma o lugar do cientista político nas campanhas eleitorais, pois só aquele sabe fazer bom uso dos meios de comunicação e como ninguém sabe seduzir o eleitor. No entanto, o marketing das agências publicitárias cobra um preço muito grande dos partidos de esquerda: a desideologização das campanhas eleitorais.

No processo de “vender” um candidato como quem vende uma mercadoria, traços positivos da personalidade do mesmo serão ressaltados: sua aparência, se muito sisuda, será suavizada, e aspectos pitorescos de seu pefil serão postos em relevo, como o relacionamento com a família. Por último virão suas convicções políticas e suas proposições. É a vitória do marketing sobre os princípios. Foi assim que Duda Mendonça tornou Lula palatável à classe média brasileira, transformando-o no “Lulinha paz e amor”. Estratégia semelhante colaborou com a vitória de Dilma Rousseff no pleito de 2010.

O aperto de mãos de Lula e Maluf parece sinalizar que não haveria saída aos candidatos de partidos de esquerda a não ser submeterem-se às diretrizes do marketing político caso queiram ganhar eleições. Será? Uma mudança no modus operandi eleitoral, priorizando mais as idéias que o candidato, equalizando o tempo no horário eleitoral, promovendo o financiamento público de campanha e outros mecanismos já aventados, não libertaria os candidatos da égide dos marqueteiros?

Se, no entanto, tudo ficar como está, ainda veremos muitas vezes a esquerda dar as mãos à direita sob as bênçãos e sob a batuta dos marqueteiros.

Comentários

George disse…
Lula não é Prestes e nem Maluf Getúlio, muito menos Lula é Stalin, apesar de Maluf poder ser Hitler.