Memória musical - Nelson Gonçalves

"Este país não tem memória.
Alguém sabe quando morreu Chico Alves?
É por isso que quero ser cremado:
pra ninguém fazer xixi na minha campa"
Nelson Gonçalves

Por Cléber Sérgio de Seixas


Ainda ontem conversava com uma amiga sobre a espiral descendente em que se encontra a música popular brasileira. Subordinados à indústria cultural de massa, cantores surgem e desaparecem do cenário artístico tão rápido quanto nele chegaram, ao sabor dos interesses de gravadoras cada vez menos identificadas com aquilo que promova a cultura, e cada vez mais comprometidas com o que aufere lucros.

É a era do descartável, do consumível, bem à moda do capitalismo que pereniza o presente, descarta o passado e é indiferente quanto ao futuro. Nesse contexto, o que é antigo deixa de merecer admiração e passa a ser taxado de ultrapassado, velho, careta, fora de moda etc.

Com a música não é diferente. Para muitos, música antiga virou sinônimo de música brega. Eu, no entanto, considero que música não tem idade, sobretudo se for boa e preferencialmente, se for interpretada por um bom cantor.

Houve tempos em que os critérios para ser um cantor eram bem diferentes dos de hoje. Não se levava tanto em conta a aparência do calouro, seu “domínio de palco” ou seu carisma. Os quesitos principais eram a potência vocal, a dicção, a entonação, enfim, as habilidades com as cordas vocais.

Hoje, basta um belo rosto, fôlego para saltitar no palco e fazer um sem-número de shows, atenção para com os fãs e, sobretudo, rabo preso com as gravadoras para se tormar um “bom” cantor.

Não querendo ser saudosista, mas já sendo – haja vista que as músicas de minha infância, repertórios de meus pais e irmãos, voltaram com ímpeto nessa minha quarta década de vida – eu gostaria de hoje prestar uma homenagem àquele que para mim é o maior cantor da música popular brasileira. Seu nome é também o de uma lenda: Nelson Gonçalves.

Há precisamente 92 anos, nascia no município gaúcho de Santana do Livramento, filho de pais portugueses, Antônio Gonçalves Sobral. Ainda menino, acompanhava o pai em praças e feiras e ganhava alguns trocados com seu tenro talento.

Na juventude foi jornaleiro, mecânico, além de lutador de boxe, tendo sido campeão paulista aos 16 anos. Sua fala disparada lhe rendeu o apelido de “metralha”, o que não impediu que ele, depois de amargar várias derrotas nas tentativas de se tornar cantor, gravasse seu primeiro disco em 1941. Nessa década, foi cotado como o substituto do lendário Orlando Silva. De timbre vocal parecido com o do Cantor das Multidões, Nelson foi um dos maiores vendedores de discos da história da música popular brasileira, ficando atrás apenas de Roberto Carlos.

De trajetória pessoal conturbada, o cantor, que também ficou conhecido como o Rei do Rádio, com a ajuda da terceira esposa, deu a volta por cima dos problemas com o vício de cocaína e, nos anos 60, voltou a brilhar. Gravou mais de duas mil canções, ganhou 38 discos de ouro e 20 de platina. Deixou-nos órfãos em 18 de abril de 1998.

Num ambiente musical cada vez mais dominado pelo descartável, é triste saber que as novas gerações desconhecem aqueles que foram ícones da música nacional em outros tempos. Processo semelhante talvez ocorra nos EUA em relação a Frank Sinatra, na França em relação a Edith Piaf, na Argentina com Carlos Gardel etc. Resgatar a memória da MPB é resgatar o nome de Nelson Gonçalves.

Este é a singela homenagem deste blogueiro saudosista dos tempos em que a garganta era o que mais importava.

Abaixo um dos grandes momentos de Nelson Gonçalves.

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Comentários

Excelente matéria... Ainda mais tendo como tema Nélson Gonçalves.
Parabéns!