Os anos de chumbo versão SBT


Por Cléber Sérgio de Seixas

Para que o período de 21 anos da ditadura militar não continue sendo uma “passagem desbotada na memória das nossas novas gerações”, o SBT vai estrear em abril uma novela cuja trama se desenvolverá totalmente durante os tempos da ditadura, nos anos 60 e 70. Dirigida por Reynaldo Boury, Amor e Revolução promete mostrar a realidade dos anos de chumbo. Para dar mais realidade à trama, os atores tiveram treinamento militar e participaram de workshops com pessoas que viveram na pele a ditadura. Além disso, já estão sendo gravados depoimentos de pessoas que viveram naquele tempo. Estes depoimentos serão transmitidos no fim de cada capítulo.

Pelos trechos que circulam em vídeos na internet, o folhetim promete mostrar o que muitos – vivandeiras de quartel, generais de pijama, torturadores que ainda circulam impunes por aí, empresários que cooperaram financeiramente com o regime, aqueles que têm escusos interesses na reescrita de nossa história recente - preferem que fique oculto, a saber: as torturas, os assassinatos, os seqüestros, os exílios e toda sorte de arbitrariedades cometidas em nome de uma democracia que só beneficiou a uma ínfima parcela da população brasileira, ou seja, aquela que teve a primazia na degustação do bolo sócio-econômico que os militares apregoavam que era necessário fazer crescer antes de dividir.

Enquanto isso, o governo Dilma pretende implantar a Comissão da Verdade para jogar luz sobre a ditadura, mostrando quem foi quem, e quem fez o que naqueles tempos sombrios. Enquanto outros países como Argentina e Chile passam seu passado a limpo, muitos brasileiros ainda chamam de revolução o que na verdade foi um golpe militar que instaurou uma ditadura.

Os militares insistem na tese de que ambos os lados devem ser julgados e que aqueles que foram reprimidos, o foram porque teriam “atirado primeiro”. Houve, no entanto, casos de pessoas que foram barbaramente torturadas sem ao menos terem pego em armas. Um desses casos foi o de Tito de Alencar Lima, frade dominicano preso por envolvimento com a ALN de Carlos Marighella. Frei Tito sofreu torturas indizíveis, tendo sido, inclusive, supliciado na famigerada "cadeira do dragão". Os suplícios que sofrera deixaram seqüelas psicológicas que o levaram ao suicídio anos depois de liberto da prisão. Sua história é contada no livro Batismo de Sangue, de autoria de Frei Betto.

Outro caso notório foi o de Zuleika Angel Jones, mais conhecida como Zuzu Angel. Estilista renomada, ela pagou caro por ter iniciado uma cruzada para apurar as circunstâncias do assassinado de seu filho Stuart Angel. Em abril de 1976, a famosa estilista perdeu a vida num estranho acidente automobilístico.

Como estes e vários outros, muitos tiveram suas vidas total ou parcialmente destruídas pelos serviçais da ditadura. Como os generais de pijama vão explicar esses casos em que pessoas que não ofereciam nenhum risco à integridade física dos algozes da ditadura tenham sido fustigados de forma tão bárbara?

Estes dois casos notórios inspiraram filmes que passaram quase despercebidos pelas salas de exibição. Helvécio Ratton adaptou Batismo de Sangue para o cinema e contou de forma brilhante a história dos frades dominicanos e de Carlos Marighella. Já Sérgio Rezende levou às telas a história de Zuzu Angel em filme homônimo. Se recuarmos um pouco mais no tempo, encontraremos um corajoso Roberto Farias desnudando os porões da tortura, nos estertores da ditadura militar, com o seu Pra Frente, Brasil (1982).

Tais filmes resgatam um passado de triste, mas necessária memória, e só isso bastaria para que produções semelhantes fossem incentivadas e patrocinadas. Muitas outras poderiam ser feitas para contar as histórias de pessoas como Eduardo Colem Leite, Joaquim Câmara Ferreira, Apolônio de Carvalho, Joaquim Seixas, Gregório Bezerra, Vlado Herzog e tantos outros que sofreram ou tombaram diante da truculência castrense.

Em nome de um passado que necessita ser totalmente passado a limpo, deve ser louvada essa iniciativa do SBT. Os últimos 50 anos da nossa história têm sido contados sob a ótica daqueles que calcaram a democracia com suas botas por duas décadas. Urge, agora, contá-los sob o ponto de vista daqueles que ousaram desafiar um estado ditatorial, mesmo sob o risco de perderem as próprias vidas.


Confiram abaixo o trailler completo de Amor e Revolução.


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