Nas guerras a verdade morre primeiro

Ataque aéreo das forças de coalizão nos arredores de Benghazi (Foto:Reuters).

Por Cléber Sérgio de Seixas

No dia 20 de março de 2003, uma coalizão militar encabeçada pelos EUA invadia o Iraque sob a alegação de que o regime de Saddam Hussein detinha armas de destruição em massa e mantinha ligações com a Al-Qaeda, organização que arquitetara os ataques de 11 de setembro de 2001. O tempo mostrou que Saddam não possuía arsenais de armas químicas, biológicas ou nucleares, e tampouco que tinha ligações com Bin Laden e seus asseclas.

A operação que supostamente iria libertar o Iraque do jugo de Saddam foi batizada de Liberdade do Iraque. Pouco tempo depois que o corpo do ex-ditador iraquiano pendeu no ar com uma corda ao pescoço, ficou patente que libertar o povo iraquiano de uma ditadura não era exatamente o objetivo das tropas invasoras. Os reais motivos se escondiam no subsolo da Mesopotâmia. Nos rastro da ocupação, um saldo de milhares de civis mortos (como em Fallujah) e o país quase totalmente arrasado.

Oito anos depois da invasão do Iraque, Barack Obama – sucessor de Walker Bush no posto de senhor da guerra - visita o Brasil trazendo na sacola as orientações de Wall Street e, no calor dos eventos diplomáticos, o anúncio de uma ofensiva militar contra a Líbia, a cargo dos EUA e de países aliados como a França, a Inglaterra, o Canadá e a Itália.

É possível que a campanha, batizada de Aurora da Odisséia, seja tão prolongada quanto a do Iraque, pois não visa apenas neutralizar as forças armadas líbias, mas também apear do poder um governante que até ontem mantinha uma distância segura dos interesses norte-americanos na região.

As semelhanças com a guerra do Iraque não se esgotam no relacionamento do ditador com o Tio Sam. Assim como Saddam, Gaddafi é militar e está no poder há décadas. Como o falecido ditador iraquiano, ele divide opiniões entre o povo Líbio: é amado por muitos e odiado por outros tantos. Como o Iraque, a Líbia é rica em petróleo, o que torna a ofensiva militar contra o país, para dizer o mínimo, suspeita.

Ressaltadas estas similitudes, e uma vez garantida a zona de exclusão aérea, pode-se dizer que a campanha, tal como no Iraque, irá se desdobrar em incursões por terra. É aí que mora o perigo, pois os exércitos invasores tanto vão contar com o auxílio dos rebeldes líbios, como vão se defrontar com a resistência das tropas fiéis a Gaddafi. Outra hipótese remota é que o ataque das tropas da OTAN pode aproximar o ditador líbio de organizações como a Al-Qaeda. Se isso ocorrer, a invasão da Líbia se converterá numa campanha quase tão sangrenta quanto a do Afeganistão.

Neste segundo dia de ataques, ainda é cedo para especulações, mas, diante do histórico de conflitos como o do Iraque e do Afeganistão, não é temerário afirmar que a Líbia está para trocar uma ditadura por outra. Caem os ditadores e assumem os títeres, para que a geopolítica siga favorável aos interesses imperialistas.

O estado de guerra permanente só favorece ao complexo industrial-militar dos EUA, que tem no povo estadunidense seu refém e serviçal, sobretudo depois que Obama aprovou um orçamento militar de 708 bilhões de dólares. Este sempre é ludibriado quando está em jogo a participação de seu país em guerras. Para justificar o envolvimento direto do país na Guerra do Vietnã (já que os EUA apoiavam os franceses na Indochina), por exemplo, o governo do presidente Lindon Johnson mentiu quando afirmou que destróieres norte-americanos tinham sido atingidos por forças norte-vietnamitas no Golfo de Tonkin. Na Segunda Guerra do Golfo o mote era a suposta produção e posse de armas de destruição em massa por parte de Saddam. No caso da Líbia, mais uma vez, como em todas as guerras, a primeira vítima pode ser a verdade.

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