O PAC da Pobreza pode representar outra abolição

Por Cristovam Buarque

Durante séculos, a ideologia dominante no Brasil via a pobreza como uma coisa natural, contra a qual não havia necessidade de haver qualquer preocupação política.

No máximo, um sentimento pessoal de caridade. É muito recente que o assunto passou a ser levantado sob a ilusão e a promessa de que o crescimento econômico tinha por objetivo também reduzir e até eliminar o quadro de pobreza, como se supunha que ocorra nos países desenvolvidos.

É recente a adoção de políticas que servem diretamente - não indiretamente, pelo crescimento - para diminuir o problema.

Os governos militares implantaram a aposentadoria rural, com consequências muito positivas sobre o grau máximo de penúria entre os pobres, sobretudo os velhos e seus familiares.
O governo Sarney implantou um programa de distribuição de comida; o governo Fernando Henrique implantou nacionalmente o programa Bolsa Escola, que Lula espalhou por todo o Brasil, sob o nome e a forma de Bolsa Família.

Esses programas têm sido fundamentais para mitigar o problema da penúria entre os mais pobres dos pobres. Hoje, a pobreza continua, mas a fome regrediu; as massas, mesmo pobres, compram bens de consumo essenciais.

Os programas das últimas décadas, todos positivos, são capazes de proteger os pobres da miséria absoluta, mas não lhes oferece uma porta de saída da pobreza.

A primeira presidente do Brasil tomou posse no dia 1º. Sua marca, porém, começou no dia 4 de janeiro, três dias depois, quando lançou o PAC da Pobreza, que propõe ir além dos programas executados até aqui.

Tomando a expressão no sentido de conjunto de medidas visando atingir objetivos, o PAC da Pobreza pode representar o primeiro esforço nítido de um chefe do Executivo republicano no sentido de enfrentar o problema.

A pura e simples transferência de renda por meios assistenciais não permitirá a superação do quadro de pobreza.

O caminho para enfrentar o problema da pobreza, que fará com que a presidente Dilma Rousseff marque definitivamente sua passagem na história, como uma chefe de governo e Estado transformadora do país, está em uma revolução conceitual, com a adoção do que vem sendo chamado de "keynesianismo produtivo e social", isto é, o emprego de pessoas pobres para lhe garantir uma renda, mas sobretudo para possibilitar a produção e a oferta dos bens e serviços que permitem a saída da pobreza.

Isso é possível com um conjunto de "incentivos sociais diretos", a fim de empregar os pobres para que produzam o que necessitam, como saneamento básico e frequência de seus filhos à escola, e "incentivos sociais indiretos", como salários decentes para os professores e implantação de um sistema de saúde pública eficiente.

Assim será possível executar com eficiência uma outra abolição, a da pobreza.


Fonte: Jornal O Tempo - 22 de janeiro de 2010.
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