Contra o fascismo, politização

Getúlio Vargas flertou com os integralistas e quase foi derrubado por eles


Por Cléber Sérgio de Seixas

Qualquer cidadão com algum conhecimento histórico ou com uma memória política razoável se lembrará de vários episódios em que a mídia se posicionou claramente a favor de determinados candidatos. Foi assim com Collor em 1989, com FHC nas duas vitórias dos anos 90 e tem sido com os adversários de Lula desde 2003. A história, agora, se repete com José Serra.

Acolitado, por exemplo, pelos grandes conglomerados de comunicação – que, diga-se de passagem, sempre se colocaram à direita do espectro político –, por pastores fundamentalistas e pela extrema-direita católica, o candidato tucano não precisa fazer o serviço sujo. Serra, que na reta final posa de bom moço e de vítima, não precisa sujar suas mãos, já que seus sabujos o farão por ele de forma aberta ou velada.

Quem assistiu ao Jornal Nacional na quinta-feira (21/10) pôde ver um show de parcialidade, um descomunal contorcionismo para transformar uma simples bolinha de papel num artefato semi-letal, além de um esforço para jogar no colo de Dilma um escândalo que na verdade se trata de uma desavença no ninho tucano, em cujos extremos estão José Serra e Aécio Neves. A última edição da revista Veja tenta escamotear a animosidade entre Aécio e Serra colocando o primeiro na capa. É importante salientar que tal animosidade deita suas raízes na luta do ex-governador mineiro pelas prévias do PSDB para escolha de um candidato à presidência.

O que ficará para a posteridade com respeito a essas eleições são as baixarias perpetradas por partidários e simpatizantes do candidato tucano, o patético engajamento da mídia em prol do mesmo, a despolitização de grande parte do eleitorado e, o que é mais grave, o ressurgimento de forças fascistas que até então estavam hibernando nas sombras de nossa História. É sobre esse último aspecto das eleições deste ano que quero versar um pouco mais.

As forças fascistas estão hibernando desde que saíram de cena no fim da ditadura militar. Hibernar significa manter um sono letárgico e acordar do mesmo somente quando as condições do ambiente estiverem favoráveis. O período democrático reinaugurado em 1985, quando o poder foi devolvido a um civil, tem significado para a extrema-direita brasileira um inverno forçado. Engana-se quem acredita que os saudosos dos tempos da ditadura e dos tempos em que se observava uma pior distribuição de renda não caminham mais entre nós. De generais de pijama e seus discípulos, passando por padres fascistas, aos integralistas do século XXI, vários são aqueles que têm se abrigado nas trincheiras do que se tornou a campanha de José Serra à presidência. A campanha tucana, ao deixar de lado a apresentação de propostas e pautar-se por temas de cunho moral e religioso, ao invés de questões estruturais, deu a oportunidade de sair do ostracismo àqueles que até então estavam reservados ao submundo político. O fascismo não sai das sombras a troco de nada. Ele cobrará a fatura caso o tucano seja eleito, a partir de sua posse. Se Dilma for a escolhida, pode ser que a extrema direita ainda tenha fôlego para se manter visível e influente, sobretudo se for levado em conta a campanha que alguns meios de comunicação continuarão a articular contra o governo, acirrando os ânimos.

Não descarto que a vitória de Dilma enseje uma tentativa de golpe branco por parte das forças conservadores derrotadas no pleito. Sei que muitos que lerem este artigo não concordarão comigo, argumentando que não há mais no Brasil um ambiente político para golpes de Estado. Se tal for a assertiva, trago à baila o caso hondurenho e, mais recentemente, a tentativa de golpe no Equador. É importante lembrar que estamos assentados sobre uma das maiores riquezas do planeta: as reservas petrolíferas da camada pré-sal, alvo da cobiça de empresas estrangeiras.

O baixo nível de politização do eleitorado brasileiro, sua permeabilidade a discursos de ordem moral e religiosa e a facilidade com que é influenciado pelo canto de sereia dos veículos de comunicação a que tem acesso – a maioria conservadores - explica a boataria e as calúnias que tomaram conta da campanha presidencial e, de certa forma, que Dilma Rousseff não tenha liquidado a eleição já no primeiro turno.

Contra o fascismo, só mesmo politização. Se Dilma for vitoriosa, é mister que seu governo invista maciçamente na politização do povo brasileiro, que crie meios que possibilitem à sociedade cobrar dos meios de comunicação uma satisfação a respeito dos conteúdos por eles veiculados ou uma responsabilização em caso de excessos, tal qual já ocorre em nações mais avançadas, e que fortaleça as mídias alternativas. Só dessa forma será possível impedir que mentiras, boatos e calúnias se sobreponham a propostas políticas.

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