PARTICIPAÇÃO POPULAR

Manifestação em prol das eleições diretos nas anos 80


Por Dom Dimas Lara Barbosa*


Os 50 anos da inauguração de Brasília, as eleições gerais do mês de outubro, a crise mundial e a mudança de época que atravessamos proporcionaram ao Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reunido de 9 a 11 de março na capital federal, a oportunidade de pensar a trajetória do País, querendo contribuir para o diálogo nacional sobre o que precisa ser modificado, numa verdadeira “Reforma do Estado”, para a construção de uma sociedade efetivamente democrática e participativa. A conjuntura atual mostra que, para atingir essa meta, não bastam meias-medidas. Faz-se necessária uma reforma estrutural das instâncias de poder. Isso exigirá percorrer um longo e difícil caminho. Daí a necessidade de que os primeiros passos sejam dados desde já e na direção certa.

Uma dificuldade séria a ser vencida logo no início é a insatisfação e a descrença com o atual sistema político e com as próprias instituições públicas, nos Três Poderes e em todos os níveis. Cada vez mais elas são vistas apenas como espaços de corporativismo que só funcionam em favor de grupos privilegiados. Mesmo que concordemos que a solução para este mal passa por nova postura ética dos indivíduos, é mister insistir que se as estruturas não forem profundamente reformadas não haverá transformações significativas. A Democracia Representativa está em crise. Ela já não responde aos novos sujeitos históricos, que exigem uma participação mais ampla na construção das políticas públicas. Nas circunstâncias atuais, ela tem seu ponto alto e quase exclusivo no momento do voto. Cumprida essa sua missão, o eleitor desaparece como agente político e delega aos eleitos a função de agirem em seu nome. Seu ser político foi outorgado a outrem.

É urgente uma reforma do sistema eleitoral e uma nova regulamentação dos partidos políticos, bem como uma definição mais clara das competências do Executivo e do Legislativo, na elaboração e execução do Orçamento, e a garantia de transparência e fiscalização da aplicação dos recursos públicos. Questiona-se, por exemplo, a profunda disparidade numérica na representação dos estados na Câmara Federal, bem como o maior poder político delegado ao Senado, que representa apenas a federalização dos estados brasileiros. Hoje, no Senado, têm assento mais de 20% de suplentes, ou seja, senadores que, de fato, nunca disputaram eleições e que, portanto, não receberam nenhum voto. A maioria deles é absolutamente ignorada ou desconhecida pelos eleitores do estado que representam.

Outra distorção está no uso das Medidas Provisórias. Concebidas pela Constituição Federal para que, em caso de urgência e relevância, o Executivo pudesse enfrentar situações em circunstâncias excepcionais, lamentavelmente elas se tornaram “Medidas Permanentes”, que permitem ao Executivo verdadeiros atos legislativos.

A estabilidade dos que são eleitos é outro ponto que merece reflexão. Ela é saudável, pois permite a continuidade de um processo de governança. No entanto, não raro escandaliza a morosidade na apuração e punição de delitos cometidos por representantes do povo, o que comprova a necessidade e urgência de uma reforma também do Judiciário, além da importância de fortalecer os grupos, já em atividade, de acompanhamento dos poderes Legislativo e Executivo.

É necessário ir além da Democracia Representativa e ampliar cada vez mais os sujeitos políticos capazes de tomar em suas mãos o processo de construir a sociedade e o Estado. Tudo isso introduz um novo adjetivo ao conceito de Democracia: a Democracia Participativa, como um necessário complemento à Democracia Representativa. É direito das pessoas mais interessadas nas ações do Estado poder decidir sobre elas. Tais pessoas, para além do voto, assumem-se como sujeitos e agentes políticos quando, nos movimentos ou estruturas constituídas legalmente, têm vez e voz determinantes nos encaminhamentos do Estado.

A Constituição Federal já acena com inúmeras formas de participação popular. O artigo 14, por exemplo, estabelece que “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III – iniciativa popular”. No entanto, esse artigo, passados 22 anos, ainda aguarda sua regulamentação. Sua aplicação é muito complicada na prática. Basta lembrar que tanto a Lei 9.840, de 1999, que combate a corrupção eleitoral, quanto a recente lei chamada Ficha Limpa nasceram da iniciativa popular. No entanto, dada a complexidade das exigências legais (conferência de assinaturas, por exemplo), foi necessário que um grupo de parlamentares as assumisse como suas, para que pudessem tramitar no Congresso Nacional.

Muito importante foi a criação, em 2001, da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, à qual cabe receber propostas apresentadas de forma pessoal, por entidades ou mesmo por fóruns e eventos, que passam a tramitar no Congresso, como todos os demais projetos. Essa Comissão insere a sociedade civil no cerne do Parlamento. No Senado, também funciona a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Cerca de 90 propostas chegam anualmente ao Parlamento por essa via e quase 150 delas foram transformadas em lei.

Os conselhos paritários também formam um campo privilegiado de participação popular. Usados adequadamente, são espaços de formação de uma consciência política e de nova expertise em áreas específicas (do orçamento, da saúde, do meio ambiente etc.). O seu aprimoramento e a formação de lideranças são um caminho a ser trilhado, uma vez que é comum vermos o cerceamento de suas atividades pelo Executivo, que deles quer prescindir, quando não cooptar para uso de seus interesses políticos. Outra prática que conduz a excelentes resultados é o Orçamento Participativo. Bem aplicado, afeta a própria estrutura do Estado, porque obriga o corpo técnico administrativo a avançar com a população organizada. Não pode fazer o que quer, mas sempre tem de consultar os grupos organizados, ao mesmo tempo que tem de dar respostas sobre a execução ou não daquilo que foi aprovado.

Em todo esse processo, a informação cumpre um papel de relevância ímpar. Ela está entre os principais instrumentos de participação democrática e é um direito de cidadania; por isso, deve ser assegurada a todos e por todos os meios possíveis. A informação é o caminho que nos haverá de levar à cidadania plena e à democracia verdadeiramente participativa que sonhamos para o nosso País.


*Bispo auxiliar do Rio de Janeiro e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)


Fonte: revista Carta Capital - Edição 600

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