O DISCURSO DE DE SANCTIS


Discurso proferido pelo Juiz Fausto de Sanctis, titular da 6ª Vara Criminal Federal da capital paulista, ao receber a mais importante comenda do legislativo fluminense, a Medalha Tiradentes. A homenagem foi no dia 11/05 na ALERJ(Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro). Sanctis foi quem deflagrou a Sathiagraha, operação que colocou atrás das grades o banqueiro-bandido Daniel Dantas.

Transcrevo abaixo a íntegra do discurso deste cidadão que nos faz ter orgulho de sermos brasileiros, apesar da corrupção que campeia no país, e que também nos faz resgatar a esperança de que bandido rico também vai preso no Brasil.

Esta sessão, que muito me orgulha, está sendo realizada em meu nome pessoal. É paradoxal, uma vez que todas as minhas atitudes e referências sempre tiveram uma conotação impessoal, motivada pela defesa intransigente de princípios e preceitos de caráter universal. Não desejo ser ingrato. Recebo esta homenagem com alegria. Devo dizer, entretanto, que se realiza na 6ª Vara Federal Criminal em São Paulo, da qual sou titular, um trabalho institucional, não em nome próprio ou para benefício próprio, mas em nome da Justiça Federal e para o benefício dos jurisdicionados.

Receber uma Comenda implica dizer que se tenta trilhar caminho correto. A tutela de valores fundamentais redunda no despojamento, no desprendimento, no amor ao próximo e na tentativa de concentrar ações positivas em nome da sociedade para a qual jurei cumprir seus mais fiéis propósitos. O trabalho em equipe por pessoas que detenham o verdadeiro espírito público implica em se livrar das algemas do ego e da concentração em si mesmos. Em outras palavras, na luta contra a hipocrisia, a discricionariedade inconsequente, o segredo e a mentira na gestão pública.


Há que se fazer uma distinção entre poder e autoridade. Poder significa a capacidade de forçar ou coagir alguém a fazer algo contra sua vontade. Não demanda cérebro. Uma criança, por exemplo, muitas vezes externa seu poder em relação aos pais. O poder pode ser comprado, dado, tomado ou outorgado. Já, autoridade é a possibilidade de fazer com que alguém cumpra uma ordem de boa vontade. Ao contrário do poder, a autoridade não pode ser comprada, dada, tomada ou outorgada uma vez que requer requisitos como honestidade, atitude, ser bom exemplo, realizar ações positivas, cuidado, compromisso e respeito. Quando ilegítimo, o poder corrói. O seu uso só cabe se violada a autoridade ou quando esta for inexistente.


Estou na “casa do povo”. Do povo que amo tanto: o fluminense. Da terra tão espetacularmente concebida e que frequentemente visitava com meus pais e irmãs queridas. Há fartura porque houve generosidade da mãe-natureza que cobra de todos nós respeito a ela, mediante ações de respeito. O caráter universal das leis é uma imposição natural e deve catalisar e constituir fator nuclear em efetivo reconhecimento do que é zona comum. A “casa do povo” deve dirigir suas ações mediante resoluções jurídicas e políticas. Jamais irresoluções que referendem uma desordem calculada, ou seja, relação instável entre o legal e o ilegal, que tem servido como instrumento de dominação. Daí a importância do papel do Poder Judiciário. Tolerâncias recíprocas, alianças e cumplicidades podem legitimar uma série de práticas suspeitas. Mantém uma determinada ordem social, ao mesmo tempo em que comportam um movimento constante de negociação e consentimento de acordo com as forças em disputa. Ameaçam o Estado mesmo nos seus fundamentos.

A defesa do valor Justiça implica em lutar por uma vida íntegra comum, em que não exista a depravação de princípios, a perda da medida. A distribuição desigual das ilegalidades. É com esse espírito que muitos juízes pautam suas ações. Uma reflexão em que não há espelho, mas a tentativa sistemática de servir. A propósito, ser servidor é satisfazer minimamente às necessidades físicas e intelectuais das pessoas. Não vontades vãs. É a entrega. É saber ouvir. Ouvir o outro significa não se considerar mais importante e não demonstrar que a opinião alheia não possua qualquer valor. Requer permanente exercício da humildade, da sensibilidade. Resgate da confiança mútua, com responsabilidade e eficácia. Não se qualificar como infalível ou onipotente.

Sintonia com o cidadão, de quem provem o poder. Dói a todos, ofende a inteligência, agride o senso comum a atitude dissociada das funções vitais. É disfunção. É deslegitimação. Representa perigo à Democracia, conjunto de regras que estabelece quem está autorizado a decidir, de que forma e em nome dos interesses da maioria. A corrupção sistêmica, ligada à práticas correntes e à impunidade, faz com que a troca de favor entre quem tenha dinheiro e aquele que possui o poder de decidir passe a ser compreendida como algo a ser visto de forma natural. Não! Sabemos que esse não é o caminho.

Já dizia Rui Barbosa na Oração aos Moços: "
O saber não está na ciência alheia, que se absorve, mas, principalmente, nas idéias próprias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante a transmutação por que passam, no espírito que os assimila". Poderia falar da minha história, da minha origem, digna e humilde. Dos cargos que com garra galguei. Cumpro, apenas, meu dever com coragem e crença no povo, na Constituição. A Justiça Federal agradece. E eu também.

Muito Obrigado!


Fonte:
site Conversa Afiada

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