CÂMARA APROVA FICHA LIMPA

Clique na figura para ir ao site do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral)


Reportagem de Ivan Lunes e Flávia Foregue

O cabo de guerra travado entre governo e oposição para capitalizar os benefícios eleitorais separou em duas partes a votação do projeto Ficha Limpa na Câmara dos Deputados. Escoltada por 1,5 milhão de assinaturas da população, a proposta que torna inelegíveis candidatos com condenações judiciais em segunda instância começou a ser analisada e teve o texto-base aprovado por 388 parlamentares. As 11 emendas, com as principais partes do projeto, ficaram para ser votadas hoje e podem desfigurar o projeto. Uma delas, por exemplo, proíbe a candidatura apenas de condenados em última instância. Em sessão que entrou pela madrugada de hoje, os deputados aprovaram o regime de urgência para a proposta e rejeitaram o pedido de alguns deputados do PR, PP, PTB e PMDB para que o projeto voltasse para a Comissão de Constituição e Justiça.

A votação do Ficha Limpa levou cerca de 70 manifestantes à Esplanada dos Ministérios para pressionar pela aprovação da proposta. A manifestação, promovida pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), teve lavagem simbólica da rampa do Congresso. Carregando uma vassoura e um balde, a secretária executiva do MCCE, Jovita Rosa, tentou passar um recado aos parlamentares. “A nossa tolerância com a corrupção é zero”, bradou. Ao lado de Jovita, o comerciante Anselmo Mourão, de 51 anos, vestiu o que chama de traje típico dos fichas-sujas. “Eu faço o biotipo de candidato que quer ludibriar o eleitor”, brincou.

O comerciante planejava uma encenação sobre os corruptos, mas teve o holofote roubado pelos próprios deputados. Trajada a rigor, com jaleco, vassoura e balde, a deputada federal Rita Camata (PSDB-ES) participou da manifestação. “No PSDB, há um trabalho grande para que isso sirva para esta eleição. Em último caso, colocaremos a exigência de ficha limpa no regimento interno do PSDB”, prometeu Rita.

DISPUTA ELEITORAL A capitalização eleitoral do Projeto Ficha Limpa, segundo análise de vários defensores da proposta, se transformou em um dos principais empecilhos para a aprovação direta ontem em plenário. Setores da oposição e do próprio governo disputam o bônus do projeto.

Com isso, os defensores do projeto optaram por aprovar apenas o texto base e o regime de urgência, que retira a necessidade de a proposta ser analisada pela Comissão de Constituição e Justiça antes de ir ao plenário. “A oposição se sente dona do projeto, quer capitalizar a proposta eleitoralmente, mas isso partidariza uma discussão em que, na verdade, cada deputado é um partido. Há oposicionistas contrários ao Ficha Limpa também”, criticou o deputado federal Flávio Dino (PCdoB-MA).

Nos bastidores, a protelação da votação do Ficha Limpa se deu por uma movimentação de última hora de setores do PMDB e de partidos, como PTB, PR e PP. Parlamentares dessas legendas são maioria entre os autores de emendas ao texto do projeto. Algumas colocam em xeque a própria viabilidade da proposta. Caso fosse posto em votação, o projeto teria voto contrário desses deputados.

Avisados de que a votação do Ficha Limpa não seria feita de forma integral, os manifestantes terminaram a lavagem simbólica do Congresso de forma melancólica. Eles foram comunicados pelo deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ). A fala oficial era de que o atraso se devia à votação do reajuste dos aposentados, que de fato entrou noite adentro.

A razão real, contudo, esbarra em velhos obstáculos para a aprovação de medidas moralizadoras pelo Congresso. “A conscientização política da sociedade já é uma boa vitória. A gente não tem noção do quanto isso seria benéfico para a população”, pondera Jovita Rosa, do MCCE. Mesmo que seja aprovada pelo Congresso (depois da Câmara a proposta segue para o Senado), ainda há uma divergência jurídica sobre a entrada em vigor do Ficha Limpa já nas eleições de outubro . O mais provável é que a Justiça tenha que decidir sobre quando o projeto passará a valer.

As alterações feitas na Câmara dos Deputados ao projeto Ficha Limpa, tornando-o mais brando, não prejudicam a essência da matéria, que é impedir que cidadãos ou políticos condenados pela Justiça disputem as eleições. A avaliação é de um dos coordenadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Luciano Santos. Ele destacou as duas principais. A primeira diz respeito ao tipo de condenação que impede alguém de ser candidato. No texto original, condenados em primeira instância teriam o direito cassado. Pelo projeto que vai à votação, somente condenados por órgãos colegiados da Justiça ficam impedidos de disputar uma eleição.

“As alterações desfiguram o original, mas seguimos avançando. Sabíamos que no Congresso precisaríamos negociar, e há o argumento que pode haver injustiças se alguém condenado por um único juiz, e não por um colegiado, ficasse impedido”, disse.

Outra novidade introduzida ao texto pelo relator José Eduardo Cardozo (PT-SP) é a possibilidade de, mesmo havendo condenação de um colegiado, obter-se uma liminar nos tribunais superiores garantindo o direito da candidatura. “Isso é outro empecilho, mas, hoje basta recorrer de uma decisão de condenação que a candidatura é automaticamente liberada. Com os tribunais tendo que dar uma liminar, a experiência nos mostra que haverá rigor e as coisas não serão tão fáceis”, comentou.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, admitiu que a possibilidade de liminar tirou o projeto do que seria “seu ideal”, mas viabilizou a votação da matéria no Congresso. “Adicionar esse dispositivo foi como tirar um rochedo que impedia a votação do Ficha Limpa no Congresso. E, mesmo não estando no original, para ter efeito suspensivo é preciso que um tribunal, com seu pleno, dê a liminar, e não um único juiz”, explicou.

Tanto para a OAB quanto para o MCCE, o projeto Ficha Limpa, se aprovado pelo Congresso e for sancionado antes das convenções partidárias, até 5 de junho, deve valer para as eleições de 2010. De acordo com Ophir, a alteração será na lei que trata da inelegibilidade, e não nas regras eleitorais. Por isso, não seria necessária a sanção um ano antes das eleições. Apesar do argumento, ele acredita que inevitavelmente o tema vai parar no Supremo Tribunal Federal (STF). “Depois da primeira ação do Ministério Público ou de adversários políticos tentando impedir que alguém concorra, “haverá objeção e o tema vai parar no Supremo”.

PRESSÃO A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) divulgou nota pedindo que os deputados federais apreciassem imediatamente o Ficha Limpa, que amplia e torna mais rígidas as regras de inelegibilidade para políticos.

De acordo com a entidade, “alguém condenado pela Justiça não pode representar o interesse público”. Em 2008, a entidade entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a candidatura de pessoas já condenadas, mas a ação foi rejeitada. No mesmo ano, a AMB divulgou em seu site a relação dos candidatos que respondiam a processos.


ENTENDA O PROJETO


O que é?
O projeto é uma campanha desenvolvida por diversas entidades, entre elas a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que recolheu assinaturas para encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de lei de iniciativa popular para impedir que candidatos condenados em segunda instância disputem as eleições.

O que ele pretende?
Altera a Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com a Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cassação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.

Quem será impedido de disputar?
Pela proposta original, seriam impedidos de se candidatar todos os que forem condenados em primeira instância e, no caso de quem tem foro privilegiado, todos os que tiverem denúncia recebida nos tribunais pelos crimes contra a fé pública ou a economia popular, tráfico de entorpecentes e drogas e crimes dolosos. Entretanto, sofreu modificações no texto que determina que são inelegíveis apenas aqueles condenados por um colegiado de juízes em segunda instância.

Como será a tramitação?
O projeto foi encaminhado ao Congresso com 1,6 milhão de assinaturas, número suficiente para tramitação em forma de proposta de iniciativa popular. Ele tem que ser aprovado pela Câmara e pelo Senado. Se ocorrer antes das eleições, entre em vigor imediatamente. Ou seja, pelo menos 30% dos candidatos eletivos estão fora da disputa.


Fonte: Jornal Estado de Minas - 05 de maio de 2010.

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