CAMPANHA PELA FALTA DE MEMÓRIA



Cléber Sérgio

O jornal Estado de Minas iniciou ontem uma série de reportagens especiais sobre o PNDH 3. Este blog já abordou a questão outras vezes (leia também "Do Direito à Memória" e "Memória" ) e volta a fazê-lo em virtude dos incessantes ataques que a grande mídia, em conluio com as viúvas da ditadura, teima em urdir. Longe de serem críticas pautadas por questões técnicas, os argumentos midiáticos se tratam de acusações, infundadas em sua maioria, eivadas de preconceitos e escusos interesses. Infelizmente não tenho a matéria que foi veiculada no EM ontem, mas posso dizer que se tratou de identificar a iniciativa do PNDH 3 com governos de esquerda latino-americanos, que chamo de progressistas e que a mídia acusa de ditatoriais.

Dando sequência à serie, a reportagem de hoje do EM até faz apontamentos sensatos com relação ao plano, mas ao mesmo tempo tenta desqualifica-lo, por exemplo, ao afirmar que o mesmo "tenta engessar juízes". Embaixo reproduzo o texto do EM na íntegra para que os leitores possam refletir e analisar. Eu qualificaria como uma campanha pela falta de memória, pois o cerne do plano é exatamente punir os culpados de crimes perpetrados pelo Estado brasileiro de outrora.





RISCOS À SEGURANÇA NACIONAL

Por Maria Clara Prates e Daniela Almeida

O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), documento elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos e que reúne diversas propostas de alterações nos sistemas político e judiciário brasileiros, tem propostas para a segurança pública do país que seguem em sentido contrário à realidade atual. Enquanto o crime organizado demonstra a cada dia que detém acesso aos mais modernos e potentes armamentos, o programa pretende restringir o uso de armas de cano longo e munições de alto poder de perfuração às forças policiais do país. O PNDH também recomenda evitar o uso dos carros blindados, conhecidos como caveirões, em operações para ter acesso a locais sob controle do crime. Na segunda reportagem da série sobre o polêmico documento, o Estado de Minas mostra os impactos das alterações sugeridas no dia a dia do combate ao crime e à violência.

O texto avança sobre o Judiciário e tenta engessar juízes, que ficam vetados de aplicar a pena de prisão preventiva a suspeitos de crimes com penas inferiores a quatro anos de detenção. Além disso, prevê que as policiais militares deixem de servir de forças auxiliares do Exército, em caso de necessidade. O extenso leque de propostas para a segurança pública teve como resultado não a eficiência pretendida, mas críticas não só por parte de advogados, como também do Ministério Público, responsável pela aplicação da lei no país.

O advogado Mário Lúcio Quintão, professor de direito da PUC Minas e conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afirma que a existência de um Programa Nacional de Direitos Humanos é uma exigência da Organizações das Nações Unidas, mas que o texto apresentado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos optou por uma forma mais revanchista de afastar a tortura do país, em detrimento do trabalho pedagógico.

“Tentar evitar a violência policial oferecendo às forças públicas equipamentos obsoletos é uma leitura equivocada do problema. Faltou planejamento e preocupação com o caráter pedagócio”, diz Quintão. O professor lembra que o Brasil é um país com uma democracia consolidada e, portanto, é preciso respeito às pessoas para evitar recomendações como a retirada dos símbolos religiosos, como prevê o programa, em um país onde a maioria absoluta da população é católica. Disso conclui: “A OAB tem um compromisso histórico com os direitos humanos, mas o programa precisa de revisão para ser viabilizado”.

Atuando há 40 anos como advogado criminalista e ex-ocupante de cargos de secretário de Segurança Pública, por duas vezes, e de Justiça no governo de São Paulo, Antônio Cláudio Mariz aponta equívocos sérios no capítulo que trata da segurança pública. Ele cita o Objetivo estratégico III. O tópico estabelece a necessidade de “formular uma política nacional de enfrentamento da violência letal” contra o grupo. “O texto diz violência letal. Isso significa que não é preciso fazer o mesmo para casos não letais?”, questiona Mariz. “O Programa Nacional de Direitos Humanos tem uma elasticidade tão grande que deixa a dúvida se se trata de um plano de governo de caráter ideológico ou um arremedo de Constituição”, afirma o advogado.

Dentro dessa visão crítica, Mariz lembra ainda que a proposta de oferecer às polícias do país armamentos de menor potencial ofensivo é um verdadeiro atentado aos direitos humanos do policial e de toda a sociedade. “Ela fica desprotegida. Perde seu direito de ir e vir e seu direito ao patrimônio, à saúde, entre outros. Ficam sob ameaça”, afirma. Para Mariz, o texto do programa demonstra que faltou cuidado do idealizador e seriedade na elaboração. Por outro lado, ele reconhece que houve uma grande preocupação na defesa de direitos das minorias e o resultado pode não ser a tão sonhada inclusão, mas a discriminação de determinados grupos, como os brancos e ricos.

ENGESSADO Até mesmo os defensores do PNDH não conseguem poupar o documento de críticas. O procurador da República em Minas, Edmundo Antônio Dias, admite que a forma como a restrição à prisão preventiva está no texto não é a melhor possível para o objetivo principal que é obter uma forma mais humanizadora de pena. No Objetivo estratégico II, o documento veda “a decretação de prisão preventiva em casos que evolvam crimes com pena máxima inferior a quatro anos, excetuando crimes graves, como formação de quadrilha e peculato”. Para ele, essa redação retira do juiz a possibilidade de analisar caso a caso, restringindo a decisão.

O procurador André Estêvão Ubaldino Pereira, coordenador das Promotorias de Combate ao Crime Organizado, também critica o texto restritivo às prisões cautelares. Ele lembra que, caso estivesse em vigor o PNDH, seria inviabilizada a prisão preventiva do borracheiro que matou a ex-mulher em 20 de janeiro, com sete tiros à queima-roupa, depois de seguidas ameaças de morte, em Belo Horizonte. Isso porque a pena para o crime de ameaça é inferior a quatro anos.


Fonte: jornal Estado de Minas - segunda-feira, 12 de abril de 2010.

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