DESVINCULAÇÃO DO DETRAN DA POLÍCIA CIVIL



André Luís Alves de Melo
- Promotor em Minas Gerais, mestre em direito público e professor universitário


Em quase todos os estados brasileiros, o Detran já não é mais vinculado à Polícia Civil, sendo em geral uma autarquia voltada especificamente para as questões de trânsito. O Detran não é apenas o órgão responsável por emitir carteiras e controlar cadastros de veículos. Afinal, seu papel é muito maior, conforme se vê pelo rol de atribuições previstas no artigo 22 do Código de Trânsito: Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos estados e do Distrito Federal, no “âmbito de sua circunscrição”, cujo rol elenca 16 atribuições, as quais são impossíveis de ser cumpridas estruturalmente pelo atual modelo de polícia civil em todo o estado.

Em razão dessa complexidade do serviço, a maioria dos estados já decidiu por retirar da Polícia Civil a chefia do Detran, exceto São Paulo e Minas Gerais. Porém, a Polícia Civil tem ocupado em torno de 30% do seu efetivo com emissão de carteiras de identidade e serviços do Detran. No caso do primeiro serviço (carteiras de identidade), abordaremos em outro artigo, mas desde já ressalta-se que o serviço no interior do estado funciona precariamente.

Em geral, alegam os que são contra a mudança que a polícia precisa ter um banco de dados, mas esse argumento não se sustenta, pois a polícia poderia ter acesso ao banco de dados da autarquia Detran. Ademais, se fosse assim, toda certidão de nascimento deveria ser lavrada na delegacia e não nos cartórios de Registro Civil. Lado outro, dados importantes como cadastro de pessoas desaparecidas ou até mesmo de mandados de prisão até hoje não existem efetivamente e a polícia precisa se preocupar mais com esses dados do que com veículos.

O tema “trânsito” tem ocupado a mídia diariamente em razão dos seus problemas e precisamos de um órgão específico para tratar a questão de forma diretiva. Em Minas, até hoje não conseguimos solucionar problemas como pátios e guinchos.
Embora reconheça que louváveis argumentos asseguram que o Detran seria uma função atípica da Polícia Civil. Mas, o termo “função atípica” é um eufemismo para dizer “função inconstitucional”.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu no artigo 22: Compete privativamente à União legislar sobre............

XI – trânsito e transporte;

Nesse sentido, a União publicou a Lei 9.503, de 1997, (Código de Trânsito), a qual elencou as entidades que compõem o Sistema Nacional de Trânsito, mas não incluiu a Polícia Civil no mesmo:

Art. 7º – Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades:

III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios;

IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios;

V - a Polícia Rodoviária Federal;

VI - as polícias militares dos estados e do Distrito Federal;

É fato que, em Minas Gerais, a Constituição local estipulou no art. 139, III, que “é atribuição da Polícia Civil o registro e licenciamento de veículo automotor e habilitação de condutor”. Mas, pela simples leitura do artigo 22 da Lei 9.503/97 veremos que a atribuição do Detran é bem mais ampla do que essas duas funções, embora englobe as mesmas. Nesse sentido, transcrevemos o texto da Constituição Mineira de 1989:

Art. 139 – À Polícia Civil, órgão permanente do Poder Público, dirigido por Delegado de Polícia de carreira e organizado de acordo com os princípios da hierarquia e da disciplina, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração, no território do estado, das infrações penais, exceto as militares, e lhe são privativas as atividades pertinentes a:

I – Polícia técnico-científica;

II – Processamento e arquivo de identificação civil e criminal;

III – Registro e licenciamento de veículo automotor e habilitação de condutor.

Outra questão a ser analisada é que em 1989, quando a Constituição Mineira foi publicada, o Código de Trânsito era outro (Lei 5.108, de 21 de setembro de 1966) e esse não relacionava quais entes faziam parte do Sistema Nacional de Trânsito. Porém, o Código de Trânsito de 1997 elencou quais os entes podem fazer parte do Sistema Nacional e, nesse caso, não incluiu a Polícia Civil, mas apenas as polícias Rodoviária e Militar.

O Detran não é um órgão executivo rodoviário, mas um órgão executivo de trânsito. Logo, seu rol de atribuições implica poder de polícia e de gestão, o que não ocorre em Minas. Nos estados em que se criou a autarquia, a verba das multas vai para a mesma, a qual tem guinchos, pátios e guardas próprios. Em Minas, seria mais lógico o Detran funcionar junto ao DER do que à Polícia Civil, mas o DER teria que passar por um curso de recapacitação nessa área, pois até mesmo o site do DER tem informações erradas, como afirmar que as multas de trânsito são imprescritíveis, quando o Cetran já decidiu que prescrevem em cinco anos.

Dessa forma, urge que em Minas ( e São Paulo também) sejam encaminhados projetos de lei para criar o Departamento Estadual de Trânsito (órgão executivo de trânsito, conforme prevê a Lei 9.503/97), mas sem vinculação com a Polícia Civil, podendo organizar-se sob a estrutura de autarquia ou outra forma jurídica, pois assim definiu a União ao excluir a Polícia Civil do sistema de trânsito por meio da Lei 9.503/97 e cabe à União legislar sobre normas de trânsito.

Fonte: caderno Direito e Justiça do jornal Estado de Minas - 22 de março de 2010.


Nota do blog: enquanto a Polícia Civil de Minas Gerais desvia parte considerável de seu efetivo, sobretudo de agentes, para o DETRAN, há casos de delegacias no interior onde simplesmente não existem agentes, ou seja, onde os delegados trabalham sozinhos. Será que isso faz parte do "choque de indigestão" do governador Aécio?

Comentários