ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA


Por Cléber Sérgio de Seixas

Em quase todo início de ano a história se repete: aqui e ali professores se mobilizam para se fazerem ouvir e reivindicar melhores condições de trabalho e salário. Greves pipocam por todo o país e já é de praxe nossa imprensa marrom atribuir as pechas de baderneiros, radicais e extremistas aos tão sofridos profissionais da educação. A recente greve dos professores de São Paulo é mais um episódio que põe em relevo a forma como governos neoliberais tratam os assuntos relativos à educação pública: manifestações em prol de melhores salários e condições de trabalho são reprimidas com gás, balas de borracha e cacetadas. Os governantes fazem um triste papel na repressão enquanto a imprensa se encarrega de demonizar os movimentos grevistas.

As matérias que tenho visto na televisão sempre enfatizam os efeitos decorrentes das paralisações, ao passo que dão pouco relevo às petições e necessidades dos grevistas. Questões como os parcos salários pagos aos professores, a superlotação das salas de aula, a criminalidade dentro da escola e em seu entorno, quase nunca são pautadas pela grande mídia. Ontem no MG TV que foi ao ar às 19 hs, por exemplo, assisti ao depoimento de uma senhora que reclamava que não tinha onde deixar o filho por conta da greve dos professores da rede municipal de Belo Horizonte. Em que se converteram nossas escolas? Em meros albergues onde os pais deixam seus filhos enquanto vão trabalhar? Em instituições que garantem aos alunos freqüentes e carentes o acesso à Bolsa Escola? Em locais a cujos cuidados os pais deixam os filhos para terem alguns “momentos de folga”?

Muitos pais já não sabem o que é ou para que serve a escola. As diferenças vão dos que cobram das instituições de ensino a responsabilidade sobre a educação dos filhos – responsabilidade da qual muitos pais se eximem -, àqueles que enxergam a escola como um passatempo para seus pimpolhos. Há teóricos que defendem a tese de uma redefinição nos papéis da escola de forma a ajustá-la aos novos tempos. Não tenho nada contra a redefinição dos papéis da escola, desde que no bojo de tal redefinição também se inclua o que se paga aos profissionais da educação. No entanto, considero falacioso o argumento que assevera que a escola tem que assumir determinadas responsabilidades até então delegadas à família, visto que aquela não tem condições afetivas, jurídicas ou econômicas para fazê-lo. É preciso dizer, também, que se a sociedade está doente, a cura de seus sintomas não é função somente das instituições de ensino, visto que outras variáveis habitam além dos muros da escola.

A vida dos educadores não é fácil. Convivem com péssimas condições de trabalho e, para compensar os baixos salários, muitos se aventuram dando aulas em até três turnos, o que produz graves reflexos na vida familiar e na saúde. A jornada laboral dos professores se estende além das horas normais trabalhadas, em forma de provas e trabalhos a corrigir e aulas a elaborar. Além disso, há as cobranças cada vez maiores de uma sociedade que teima em transferir para a escola responsabilidades que são da família.

A lei que institui o piso nacional salarial para os professores (Lei 11738/08) foi sancionada pelo presidente Lula em 2008, no entanto, permanece fora da pauta dos parlamentares, acuados que estão pelos lobbies de prefeitos, governadores e asseclas, muitos dos quais contrários à implementação do piso. Vai-se, assim, empurrando com a barriga algo que poderia erigir a outros patamares a educação pública nacional, contribuindo para a inserção do Brasil no seleto clube dos países desenvolvidos.

Enquanto o piso não vem, as discrepâncias salariais entre estados e municípios persistem. Só para citar o exemplo da região metropolitana de Belo Horizonte, enquanto um professor P1 (1ª a 4ª série) em Ribeirão das Neves ganha 620 reais, o equivalente na capital mineira chega a quase 1200. Se nos aprofundarmos nos rincões tupiniquins, as diferenças podem se acentuar e revelar desníveis ainda mais vergonhosos.

Na queda de braço entre os docentes e os estados/prefeituras, quase sempre, saem perdendo os primeiros. São eles os rechaçados em praça pública, os taxados de extremistas pela grande mídia, os culpados pelos atrasos no ano letivo e pelos bloqueios no trânsito. No torvelinho de desinformações, a imprensa golpista coloca em pólos antagônicos população e professores, quando, em essência, ambos são vítimas do mesmo sistema opressor e, portanto, deveriam marchar de braços dados.

Triste é a nação que precisa de professores grevistas. Enquanto a qualidade do sistema educacional ficar ao sabor dos ventos do mercado e da vontade dos políticos, ou seja, enquanto for um projeto de governos - subordinado às diferenças regionais - e não uma política de Estado, temo que o Brasil nunca alcance o patamar de uma nação desenvolvida, com um povo bem educado no sentido acadêmico e bem preparado para os desafios que o futuro reserva à nação verde e amarela.

Para finalizar, deixo-vos com trechos do excelente filme Entr Les Murs (Entre os Muros da Escola). Apesar da realidade escolar brasileira ser muito pior que a francesa, trata-se de um bom exemplo do que os professores enfrentam dentro das salas de aula.




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