VOLUNTARIADO CORPORATIVO E UTOPIA - primeira parte


Por Cléber Sérgio de Seixas

No ano 2000 definiram-se os assim chamados 8 Objetivos do Milênio, que alguns, romanticamente, chamam de ‘Oito Jeitos de Mudar o Mundo’, ou seja, um conjunto de metas que visam, senão resolver, minorar problemas como a fome, a pobreza, a mortalidade infantil, a proliferação da AIDS e outras doenças. Tais metas seriam levadas a cabo através da parceria governos, sociedade civil e empresas. Falando especificamente das empresas, muitas delas tem sido vistas empenhadas em ações de responsabilidade social, e uma das formas de levar a cabo estas ações seria através da promoção do voluntariado corporativo.

Ser voluntário está na moda. Empresários têm colocado em voga esta prática, alguns visando diminuir-lhes o peso das consciências talvez assombradas pelos lucros estratosféricos das empresas por eles encabeçadas, os quais contrastam violentamente com a minguada renda da maioria da população. Outros, porém, almejando a obtenção de lucro pura e simplesmente, visto que uma empresa socialmente responsável, caridosa com a comunidade que a circunda, projeta no mercado uma boa imagem de si, o que pode redundar-lhe em espaço na mídia e notoriedade, o que em outras palavras é o mesmo que amplas possibilidades de investimentos futuros. Em outras palavras pode-se dizer que os fins são menos nobres e altruístas que os meios. Na verdade, se fosse possível aos empresários chegar diretamente ao lucro sem passar pela senda da pseudo-generosidade, certamente optariam pelo atalho.

A questão do voluntariado empresarial encerra em si paradoxos. Um deles é que muitas vezes os próprios voluntários envolvidos em atividades diversas, são pertencentes à mesma classe social ou camada sócio-econômica daqueles que são alvos da filantropia. Além disso, muitas das empresas envolvidas na promoção de eventos de responsabilidade social, via voluntariado, são totalmente irresponsáveis no que tange às condições de trabalho às quais submetem seus funcionários. Assim, a responsabilidade social seria apenas “extra-muros”, enquanto “intra-muros” os empregados convivem com sobrecarga de atividades, ambiente de trabalho hostil, cobranças por melhoria de desempenho constantes e parcos benefícios trabalhistas.

Para algumas empresas o valor da variável responsabilidade social é nulo, já que a negatividade dos danos sócio-ambientais decorrentes de suas atuações no mercado anula os efeitos da positividade de suas ações filantrópicas. Podemos ilustrar isso com o caso da rede mundial de supermercados Wall Mart, que tinha como fornecedores de algumas de suas mercadorias empresas localizadas em países de terceiro mundo que pagavam salários de fome a seus funcionários, além de utilizar mão-de-obra de menores de idade no fabrico de seus produtos. Apesar disso, etiquetas com a foto da executiva do Wall Mart, Kathy Lee Gifford, vinham anexadas a estes produtos com os seguintes dizeres: “Parte da receita da venda será doada a abrigos infantis”.

Da doação de donativos até ações como alfabetização e “ações globais”, as corporações podem contar com a intrínseca benevolência de seus funcionários - cuja base, em grande parte dos casos, é a religiosidade - para levar a cabo sua filantropia. As empresas, assim, valem-se do engajamento dos próprios funcionários, que em tempos modernos são eufemisticamente chamados de colaboradores, para tornar possíveis suas campanhas filantrópicas, obtendo assim mão de obra acessível, dócil e barata, ou melhor, gratuita, já que o funcionário nada recebe, a não ser, talvez, um tapinha nas costas dado pelo chefe. Não poderia ser diferente senão teríamos de alterar o termo de voluntário para coagido.

Pretende-se com estas medidas pontuais, esporádicas e assistencialistas, resolver o problema da desigualdade e pobreza no mundo. Esse fenômeno não é novo. Já em seu tempo, Marx e Engels, pais do socialismo científico, denunciavam as inócuas ações dos assim chamados socialistas utópicos. Portanto, diante do cenário atual que tem apontado as ações voluntárias capitaneadas pelas empresas como algumas das possíveis alternativas para a diminuição da desigualdade social mundial, é oportuna uma releitura de trechos do clássico Manifesto do Partido Comunista de 1848, uma das obras que marcaram o pensamento marxista. Leiamos o trecho seguinte:

“Os fundadores desses sistemas compreendem bem o antagonismo das classes, assim como a ação dos elementos dissolventes na própria sociedade dominante. Mas não percebem no proletariado nenhuma iniciativa histórica, nenhum movimento político que lhe seja próprio... À atividade social substituem sua própria imaginação pessoal; às condições históricas da emancipação, condições fantasiosas; à organização gradual e espontânea do proletariado em classe, uma organização da sociedade pré-fabricada por eles.. Repelem, portanto, toda ação política e, sobretudo, toda ação revolucionária, procuram atingir seus fins por meios pacíficos e tentam abrir um caminho ao novo evangelho social pela força do exemplo, por experiências em pequena escala que, naturalmente, sempre fracassam...”

No trecho citado, Marx e Engels estão se referindo aos socialistas utópicos, os quais buscavam a solução dos problemas do mundo de seu tempo valendo-se de ações que mantinham intactas as bases de exploração do sistema capitalista, ações estas que sempre eram o estender da mão do burguês em auxílio aos desfavorecidos, nunca uma iniciativa destes últimos em busca de sua afirmação como classe. Prosseguem assim, Marx e Engels:

“Continuam a sonhar com a realização experimental de suas utopias sociais: estabelecimento de falanstérios isolados, criação de colônias no interior, fundação de uma pequena Icária, duodécima edição da Nova Jerusalém, e para dar realidade a todos esses castelos no ar, vêem-se obrigados a apelar para os bons sentimentos e os cofres de filântropos burgueses”.

Exemplos tais como os projetos de Charles Fourier e Robert Owen são notórias experiências que fracassaram por contar apenas com a hipotética boa vontade dos empresários.


(continua em outro post)

Comentários