EM TERRAS ESTRANGEIRAS


Por Dan M. Kraft - advogado especializado em comércio internacional

Estudo publicado recentemente mostra que diversas nações, com terra cultivável insuficiente, garantem a produção de alimentos e biocombustível pela compra de territórios estrangeiros. Como um dos grandes flagelos do futuro será a falta de água e de terra arável, diversos países ricos estão antecipando soluções para garantir a produção de combustível e sua segurança alimentar. Estudo da Organização da ONU para Alimento e Agricultura (FAO) e da ONG Grain revela que países como a África do Sul, China e países do Golfo Pérsico estão comprando vastas extensões de terra arável. Quem as vende são invariavelmente países do Terceiro Mundo, que em troca de um dinheiro imediato perderão controle sobre sua produção agrícola em médio prazo.

Dessa forma, 75% da terra arável do Laos, 33% das Filipinas, 25% da Mongólia, 21% de Madagascar e 15% do Congo já estão em mãos estrangeiras. Os países árabes do Golfo Pérsico são campeões em percentual de compra, tendo aumentado, com aquisições internacionais, 70% de suas terras aráveis, ou seja, já compraram 26 mil quilômetros quadrados. A África do Sul, mesmo com grande e fértil território, aumentou em 54% suas terras cultiváveis, tendo adquirido estarrecedores 80 mil quilômetros, sua grande maioria na República do Congo. A China vem comprando grandes extensões de terra na África também. A União Europeia e a Suécia fazem seu processo de compra de terras – em contraponto à antiga colonização – garantindo boas terras alheias para proteger seus interesses, geralmente de empresas sediadas em seus países.

As culturas em terras estrangeiras privatizadas são geralmente voltadas para geração de biocombustíveis, também sendo usadas para cultivo de grãos para fins alimentares. Tais aquisições podem suscitar um lembrete ao flagelo dos irlandeses mais de 200 anos atrás. Naquele tempo, a Inglaterra era a metrópole, tendo determinado que o cultivo em terras irlandesas seria 100% direcionado ao consumo inglês e à exportação. O resultado dessa política colonial foi a morte pela fome, imortalizada nos monumentos na Irlanda e nos Estados Unidos, em especial nas ruas de Boston, pois navios com levas de irlandeses famintos foram recepcionados por seus irmãos norte-americanos, o que acabou por fomentar o movimento de revolta ante a coroa inglesa. O resultado foi a Guerra da Independência norte-americana.

Em um momento no mundo em que os conceitos de soberania, mobilidade de pessoas e leis ambientais se colidem, o estudo divulgado gera preocupações sobre o que ocorrerá com as novas gerações desses países cujos recursos naturais de sobrevivência – terra arável – estão sendo vendidos. Como são países pobres, uma nova forma de domínio, não mais chamado de colonialismo, está surgindo, sendo perpetrado por economias emergentes. Ao final da história, a exploração da natureza e do homem pelo homem tem o mesmo padrão, mudando-se apenas o nome e o método. No Brasil, largas extensões de terras têm sido comercializadas, passando seu controle a mãos estrangeiras. Manter uma boa noção de soberania no que concerne a segurança alimentar é importante, ainda mais em vista do encantamento que o biocombustível traz.


Fonte: Jornal Estado de Minas - 11 de outubro de 2009

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