Acordo em Honduras abre caminho para volta de Zelaya



Quatro meses após ser retirado do poder por um golpe de Estado, o presidente legítimo de Honduras Manuel Zelaya deverá, enfim, voltar ao cargo para o qual foi eleito democraticamente em 2005. Após a (tardia) interferência dos Estados Unidos, o governo golpista assinou um acordo que abre as portas para a restituição. Zelaya qualificou a medida como um “triunfo da democracia”. Logo após o anúncio, centenas de hondurenhos tomaram as ruas de Tegucigalpa para celebrar o que deve ser fim da crise.

Na madrugada desta sextta-feira, após reuniões com autoridades norte-americanas que pressionavam pelo fim da crise, Roberto Micheletti anunciou um recuo, concordando que o retorno de Zelaya à Presidência seja decidido pelo Congresso, como solicitava o presidente deposto. "Esse é um primeiro passo. Meu retorno é iminente, estou otimista", afirmou Zelaya.

O acordo estabelece ainda que ambos os lados reconheçam o resultado das eleições presidenciais previstas para 29 de novembro. O controle do Exército seria confiado ao Tribunal Superior Eleitoral. O anúncio foi feito pelo secretário de Assuntos Políticos da Organização dos Estados Americanos (OEA), Víctor Rico, em uma breve conferência à imprensa junto ao subsecretário de Estado americano para a América Latina, Thomas Shannon.

"O diálogo chegou a uma feliz conclusão. Há alguns minutos as delegações designadas para este diálogo assinaram a ata e os textos correspondentes. As duas comissões decidiram que a restituição de Zelaya será decidida pelo Congresso Nacional", disse, por sua vez, o chefe da comissão de Micheletti, Armando Aguilar.

O presidente de facto de Honduras, Roberto Micheletti, anunciou momentos antes que autorizou a sua equipe de representantes a assinar o acordo. "Meu governo decidiu apoiar uma proposta que permite um voto no Congresso Nacional, com uma opinião prévia da Corte Suprema de Justiça, para retroceder todo o Poder Executivo de nossa nação para antes de 28 de junho de 2009", disse Micheletti em declaração lida para a imprensa na Casa Presidencial.

Em declarações à Rádio Globo de Honduras, Zelaya afirmou que reconhecer a necessidade de retroagir os poderes do Estado às condições estabelecidas em 28 de junho significa o "retorno à paz" no País. "Esta sexta será o dia da retomada da democracia no país. Dizemos ao povo hondurenho que, a despeito de todas as celebrações, devemos olhar esse acordo como um símbolo de paz. Vamos tomar o acordo com satisfação, com calma", afirmou Zelaya.

O líder deposto ressaltou que a missão americana liderada pelo subsecretário de Estado norte-americano Thomas Shannon “teve um papel fundamental”, da mesma forma que a OEA, a União Europeia e todos os países da América. Para Zelaya, o acordo tem que ser “uma garantia para que o sentido da interrupção democrática que significam os governos de fato sejam experiências” que não voltem a se repetir em Honduras.

O acordo põe fim a uma “via crucis”, segundo Zelaya, que foi retirado do poder e mandado por meio de um golpe de Estado no dia 28 de junho, mas conseguiu voltar escondido ao país no mês passado e desde então buscou abrigo na embaixada do Brasil.

Já Micheletti lembrou no seu pronunciamento que os outros pontos em negociação, como um governo de reconciliação, rejeição à anistia política, verificação internacional, uma comissão da verdade e reconhecimento das eleições de novembro, entre outros, já foram assinados pelas duas partes antes do diálogo desta quinta.

A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, elogiou o acordo e disse que era uma vitória para a democracia na América Latina. "Esse é um grande passo para o sistema interamericano e seu compromisso com a democracia. Nós estávamos claramente do lado da restauração da ordem constitucional, e isso inclui eleições", disse ela de Islamabad.

O secretário geral da OEA, José MIguel Insulza avaliou que, se cumprido de boa fé, o acordo assinado pelas duas partes em conflito encerrará a crise política em Honduras.

Menifestações

Dezenas de simpatizantes do hondurenho Manuel Zelaya se reuniram em frente à embaixada brasileira em Tegucigalpa para comemorar o acordo alcançado para que o Congresso decida sobre a restituição do presidente deposto ao poder. Com bandeiras de Honduras e do Partido Liberal, do presidente deposto, os seguidores daquele gritavam frases como "Mel (Zelaya), amigo, o povo está contigo" ou "Golpistas, vão à merda".

"Estamos felizes porque há um indício de que Manuel será restituído, apesar de isso ainda não ter acontecido e de Honduras nunca ter visto uma reversão ou uma restituição depois de um golpe de Estado, o que é algo histórico. Acho que neste ano aconteceram muitas coisas históricas em Honduras", afirmou Isabel Ortega, de 23 anos.

"Estou comemorando com as pessoas com as quais caminhei durante 123 dias, as pessoas com as quais lutei, gritei, corri fugindo dos gás lacrimogêneo, dos policiais e das forças repressoras deste país", acrescentou a jovem, que se identificou como comunicadora e uma "feminista da resistência".

Santos Luciano Núñez, um motorista de 60 anos, também estampava um grande sorriso no rosto pelo acordo alcançado, ao qual se referiu como uma "vitória". "Passamos meses muito críticos depois deste golpe de Estado e precisamos da restituição do presidente Manuel Zelaya para que a situação volte à normalidade", afirmou Gerson Flores, um estudante de Direito de 27 anos.

"O que fizeram com nosso presidente foi uma barbárie típica dos tempos antigos. Nós elegemos um presidente por quatro anos e o depuseram de forma ilegal (...)", acrescentou o universitário

Pressão

O acordo, decisivo para superar a crise política, foi assinado pelos membros das duas delegações ao fim de quase 12 horas de diálogo. As conversas foram reatadas nesta quinta-feira após praticamente uma semana estagnadas por desacordos sobre a restituição de Zelaya. O avanço foi obtido após a pressão de oficiais do alto escalão do governo americano, que viajaram para Honduras nesta semana para encerrar a crise política e poupar o presidente Obama de mais um problema na política externa.

Líderes dos Estados Unidos, da União Europeia e de países latino-americanos haviam insistido que Zelaya deveria ser autorizado a encerrar seu mandato presidencial, com término previsto para janeiro. Eles disseram que não poderia reconhecer o vencedor da eleição de novembro a menos que a democracia fosse restaurada.

Ontem, durante as negociações, o subsecretário de Estado americano para o Hemisfério Ocidental, Thomas Shannon, líder da delegação dos Estados Unidos enviada a Honduras, afirmou que estava acabando o tempo para um acordo que pudesse pôr fim à crise. O governo Obama cortou alguns programas de cooperação com Honduras após o golpe militar, mas líderes latino-americanos o criticaram por não fazer mais pela restauração da democracia no país.

Diversos grupos de direitos humanos denunciaram abusos cometidos pelo governo interino. Para os partidários de Manuel Zelaya, eleições livres e justas não seriam possíveis após Micheletti reprimir as liberdades civis e fechar temporariamente as empresas de comunicação favoráveis a Zelaya.


Veja a seguir o que já se sabe sobre o acordo:

1. Apoiar a proposta que permite uma votação no Congresso Nacional com uma opinião prévia da Suprema Corte de Justiça para retroagir todo o Poder Executivo prévio a 28 de junho de 2009, ou seja, a restituição de Zelaya ao governo.

2. Criação de um governo de unidade e reconciliação nacional.

3. Rejeição da anistia de crimes políticos e da moratória das ações penais

4. Renúncia à convocação de uma Constituinte ou a uma reforma da Constituição nas cláusulas pétreas.

5. Reconhecimento e apoio das eleições gerais de 29 de novembro e a transferência de governo.

6. Transferência da autoridade sobre o Supremo Tribunal Eleitoral, as Forças Armadas e a Polícia Nacional.

7. Criação de uma comissão de verificação para fazer cumprir os dispositivos do acordo.

8. Criação de uma comissão da verdade que investigue os fatos, antes durante e depois de 28 de junho de 2009.

9. Pedido à comunidade internacional para a normalização das relações com Honduras.


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