DEMOCRACIA E MILITARES

Por Eduardo Guimarães

Os assuntos vão me surgindo na mente de uma forma quase autônoma. É como se fosse um filme que já tivesse visto. Novamente há que escrever.

Fatos desta segunda-feira me deixaram ainda mais estarrecido com o ressurgimento de um movimento político na América Latina que foi característico nesta parte do mundo até pelo menos o fim do século passado. Autoritarismo, censura, ataques explícitos à democracia no exterior e em forma de conceitos antidemocráticos no Brasil, tudo isso não quer me sair da cabeça.

Falo sério com vocês: estou preocupado. Nos últimos dias, freqüentei os blogs do Ricardo Noblat e do Reinaldo Azevedo, preocupado com a relativização que fizeram de um ataque virulento à democracia em Honduras que, como disseram de Barack Obama a Hugo Chávez, ameaça criar um precedente antidemocrático nesta parte do mundo, tendo potencial para gerar fatos semelhantes em outros países.

Apesar de a Globo ter se diferenciado da Folha, do Estadão e Cia. e da maioria das tevês comerciais, passando a tratar o golpe de Tegucigalpa pelo que ele é (golpe) e a denunciar violações de direitos, censura e violência contra cidadãos por parte dos militares golpistas, é pela batuta daquele que fundamenta o discurso de todo direitista na blogosfera, o Azevedo, que os comentaristas do blog dele e do blog do Noblat, mimetizando o blogueiro da Veja, desandaram a verter as frases dele ipsis litteris.

O problema é a idéia que essas frases de Azevedo encerram. Há que lê-las e notar o que de assustador centenas de comentaristas dele estão espalhando pela blogosfera, pelo Orkut, por comunidades virtuais de todos os tipos, por sites e, claro, por aí, no mundo real.

Vamos ao discurso de Azevedo, logo abaixo. Quem o diz tem relações próximas com o PSDB, com o PFL – e, portanto, com os militares – e talvez com “aquela” parte da Cúpula do Judiciário. O sujeito não fala às coisas à toa. Deixa até a impressão que fala por interpostas autoridades e políticos ligados (formal ou informalmente) a esses partidos.

O Brasil e os militares. Ou “Honduras como metáfora”

(...) Vou evocar o artigo 142 da Constituição [brasileira] com a maior serenidade, sem sofrimento, sem hesitação, em nome da civilidade. E recomendo a esses mequetrefes que o leiam. E lá está escrito para quem sabe ler, no “CAPÍTULO II – DAS FORÇAS ARMADAS”:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

É preciso que eu explique o que quer dizer “POR INICIATIVA DE QUALQUER DESTES”? É? Então explico.

Por iniciativa também do Legislativo e do Judiciário, as Forças Armadas podem ser chamadas a garantir “a lei e a ordem” se elas estiverem sendo violadas — e ninguém pode violá-las, nem o presidente da República.

O presidente é o comandante-em-chefe das Forças Armadas NA GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO, NÃO CONTRA ELA.

Acreditem: assim é em todas as democracias do mundo.

(...)

Honduras não é metáfora sobre o Brasil. Se fosse, conviria ler a Constituição.

Muito bem, esse discurso já foi usado no Brasil no golpe de 1964. Há até comentaristas-clones do Azevedo dizendo isso abertamente pela blogosfera e recomendando a Lula – e à esquerda, claro – que “se comporte”. Há uma ameaça, pois.

Discursos de chefes militares de alto escalão vão no mesmo sentido desafiador e ameaçador a cada data por eles considerada “apropriada”, como, por exemplo, nos 31 de março de 1964 de cada ano, e isso vem de décadas, desde o fim do regime militar. E não parou até hoje.

A fundamentação das ameaças à democracia feitas freqüentemente por chefes militares é a mesma que diz Azevedo. Louve-se que o esteja fazendo, pois, dando aos democratas o meio de ver até onde isso é bravata e até onde é ameaça.

Agora com os EUA nas mãos de alguém mentalmente são e com a união mundial pela democracia que está se formando contra o golpe em Honduras, acho que é o momento perfeito para que o mundo discuta países nos quais esse discurso de Azevedo é cultivado por influentes setores da sociedade.

A idéia de que cabe às Forças Armadas destituírem presidentes desarmados no meio da noite em suas camas com tanques e centenas ou milhares de soldados é defendida devido ao artigo constitucional que confere às forças armadas o dever de “manter a ordem pública”, o que foi pensado para o caso de distúrbios sociais violentos e não para derrubar governos.

Para os governos, a Carta Magna designa o Congresso Nacional e o Judiciário, para que votem impedimento de um governante. Impedido pela lei, o governante que tiver perdido o cargo sai naturalmente.

Tudo isso demanda um processo legal. Não é automático, há que dar àquele que se quer impedir o mais amplo direito de defesa etc. Um processo desses leva meses e não horas, como foi em Honduras.

Está mais do que na hora de o Brasil enfrentar essa questão. Não se pode mais permitir que essa ameaça militar paire sobre o país e a democracia. Há uma ameaça clara, defendida abertamente, de ruptura da ordem institucional e constitucional. As instituições brasileiras devem se mobilizar para resolver essa questão. Já.

Fonte: Blog Cidadania.com

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