VELHICE OU EXPERIÊNCIA?

Meus pais: idosos e experientes

Por Cléber Sérgio de Seixas


Quando nascemos é como se nos dessem X reais para gastar. À medida que o tempo passa, temos X-1, X-2... X-60 e assim sucessivamente. Quando estivermos próximos à tumba - com o pé na cova, como muitos gostam de dizer - teremos talvez só alguns centavos no bolso. Os “valores” de que dispomos são, então, inversamente proporcionais ao número de anos que vivermos. À medida que o tempo age sobre nós, nos é roubada a vitalidade, um pouco da lucidez, mas não a experiência. Este processo culminará na inexorável sina de todo ser humano: a morte.

No filme O Estranho Caso de Benjamim Button é contada a história de um indivíduo que nasce velho e vai rejuvenescendo com o passar dos anos. Como seria se pudéssemos chegar à velhice com a vitalidade de um jovem aliada à experiência de um idoso?

Na sociedade onde tudo tem que ser novo, atual, belo, o que é velho tem que receber outros nomes para ser aceito. Na cultura da novidade, envelhecer é um pecado imperdoável. Chamar alguém de velho na cultura contemporânea é o mesmo que dirigir-lhe um impropério. Assim, apela-se a neologismos para suavizar termos utilizados para denotar uma pessoa avançada em dias. Antigamente se dizia que um indivíduo era velho quando já havia ultrapassado a barreira dos sessenta anos. Agora chamam-no de indivíduo da terceira idade. 

Contudo, o termo terceira idade ainda pressupõe velhice. Assim sendo, para suavizar ainda mais, eis que surge o termo “melhor idade” para denominar a fase mais avançada da vida de um indivíduo em termos de tempo. Já se fala até de “dign/idade”. O fato de eu chamar uma pessoa idosa de “indivíduo da melhor idade” não mudará o fato de que a mesma é velha. 

Considera-se idosas as pessoas que estão chegando perto da morte, mas o foco da consideração deveria ser em relação à experiência adquirida nos anos vividos, não em relação ao desgaste físico decorrente do passar pelo tempo. Velho, na concepção pós-moderna, é convertido em sinônimo de ultrapassado, antiquado. 

A “melhor idade”, segundo convenções atuais, é aquela idade na qual se pode aproveitar a vida melhor, já que os indivíduos nesta fase da vida já estariam aposentados, com os filhos e netos criados e, portanto, sem tais preocupações, livres para cuidarem mais de si, praticando esportes, dança, dedicando-se a atividades culturais e tantas outras das quais podem ter sido privados, por algum motivo, na juventude.

Faz-se de tudo para escapar da velhice: plásticas, botox, peeling, ingestão de vitaminas, alimentação saudável, atividades físicas etc. É o que chamam de envelhecer com qualidade. Não que tais coisas sejam negativas. O que se pretende relevar neste texto é a negatividade com a qual é abordada a questão da velhice. 

Em outras culturas, como a indígena, por exemplo, os indivíduos velhos são cercados do maior respeito, reverência e consideração, enquanto que em nossa sociedade às vezes faz-se necessário o apelo a mecanismos jurídicos para garantir às pessoas idosas aquilo que elas deveriam ter naturalmente: respeito, consideração e o direito à vida. Se tais pessoas cuidaram de outras, nada mais natural que fossem também cercadas de cuidados quando próximas do fim da vida.

Mas, infelizmente, não é assim que ocorre. Nossos velhos são maltratados, desrespeitados e ignorados. Não fossem as leis, tais como o Estatuto do Idoso, não teriam direito a assento preferencial nos coletivos, gratuidade nos transportes públicos, meia-entrada em eventos culturais e outras garantias.

O que há de errado em toda essa história não são os idosos, nem é a velhice o problema. O erro reside na maneira como encaramos o entardecer da vida. E isto decorre da perenização do presente, do carpe diem em seu aspecto mais negativo, ou seja, aquele que desconecta a vida humana da historicidade a ela inerente. 

Nossa história individual, tal como a história da humanidade, é composta de passado, presente e futuro. No passado foram armazenadas nossas origens, nossos erros, nossos acertos. O presente é onde vivemos e onde devemos dar os passos com um olhar no passado, a fim de não repetir os erros de outrora, aprendendo com eles e também olhando para o futuro, que é nosso norte, nosso objetivo, a esperança que nos leva a caminhar. Se o presente for perenizado, se for tornado o senhor absoluto de nossa existência, cairemos na falta de referência, e tudo será lícito para vivê-lo ao extremo. Assim, tudo valerá para levar a cabo nossos desejos, mesmo em prejuízo dos direitos de outrem. Quando os desejos não forem alcançados virá a frustração, a desilusão, a depressão e o suicídio.

Frei Betto, em sua obra A Mosca Azul, apresenta assim a questão: “Enfrenta-se, hoje, um processo de desistorização do tempo. Nessa crise da passagem da modernidade para a pós-modernidade, surge a dificuldade de consolidar valores como, por exemplo, a ética. Não existem projeção, prospecção, estratégia, sem a concepção do tempo como história. Esta é seguramente uma das melhores heranças recebidas pelo Ocidente. Sofre agora o risco de descaracterizar-se. Os gregos imaginavam um tempo cíclico. As coisas acontecem e se repetem. E comungavam a idéia do destino implacável... Quando se percebe o tempo como história, tem-se o varal onde dependurar valores. A vida ganha sentido. E este é o bem maior que todos procuram: um sentido que dê razão à existência e, assim, os faça felizes...Cessada a percepção do tempo como história, falta o fio de prumo dos valores e, portanto, corre-se o risco da perda de sentido. Na dinâmica do pensamento único, impõe-se a idéia de que esse modelo de sociedade capitalista neoliberal é o ideal. O que resulta dessa perspectiva? A perenização do presente”.

Das palavras de Frei Betto deve-se extrair um ponto crucial: o sentido da vida. Se estivermos conscientes de qual é nossa missão neste mundo, nossa vocação, teremos um varal, um sustentáculo, onde poderemos dependurar nossos valores, e nossa vida não será um rodopio louco de acontecimentos desconexos e sem sentido, onde valeria tudo para “aproveitar a vida”. 

Assim, quando a velhice chegar, não nos sentiremos frustrados e não ficaremos ofendidos quando alguém nos chamar de velhos ou idosos. Isso sim seria envelhecer com qualidade. Cabe-nos, então, viver nossos dias da melhor forma possível. Se haverá outra vida além desta, é outra história e assunto para outro post.

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