A EDUCAÇÃO SOB O ESTADO

Por Míriam Pacheco da Silva Seixas

A Sociedade é uma entidade criada por uma ação do anseio coletivo, com vistas a um desígnio comum e com o intuito de obter alguns tipos vantagens. Muitas sociedades foram constituídas por grupos religiosos ou por reformadores políticos e econômicos. A partir do pensamento de Rousseau podemos observar que os homens perceberam que quando estavam juntos eram mais fortes e mais capazes de resolver problemas comuns. Daí surgiu a necessidade de viverem unidos formando sociedades. Para Rousseau o primeiro conceito de sociedade vem da família. A família permanece junto a fim de proteger o indivíduo, o que Rousseau chama de conservação.

“A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a da família. As crianças apenas permanecem ligadas ao pai o tempo necessário que dele necessitam para a sua conservação. Assim que cesse tal necessidade, dissolve-se o laço natural. As crianças, eximidas da obediência devida ao pai, o pai isento dos cuidados devidos aos filhos, reentram todos igualmente na independência. Se continuam a permanecer unidos, já não é naturalmente, mas voluntariamente, e a própria família apenas se mantém por convenção”. (Rousseau, 1762:05).

Com o crescimento populacional, foi necessário ao homem se organizar com o intuito de conservar a integridade da sociedade. Para isso era necessário permanecerem unidos nos interesses comuns ao grupo. Para a sociedade é considerado mais importante o bem-estar do grupo que do indivíduo. E com isso foi necessário o surgimento de um sujeito capaz de liderar, organizar, tomar a frente nas ações – encabeçar o grupo – uma peça importante para conservação dos indivíduos. “Ora, como é impossível aos homens engendrar novas forças, mas apenas unir e dirigir as existentes, não lhes resta outro meio, para se conservarem, senão formando, por agregação, uma soma de forças que possa arrastá-los sobre a resistência, pô-los em movimento por um único móbil e fazê-los agir de comum acordo.” (Rousseau, 1762:05). Surgiu então, a religião para dar “aconselhamentos” à sociedade para que esta vivesse de forma harmoniosa.

Mas a religião se mantinha limitada a explicar todas as coisas de acordo com os desígnios divinos e não levava em conta a razão, o pensamento ou os descobrimentos humanos. O homem começa a dar menos valor à religião e cria uma nova entidade para gerir sua existência. Nasce assim, a figura do Estado que tem como base a racionalidade.

“O Estado substitui a Igreja, na tarefa de marcar os limites da racionalidade, para a convivência humana. Uma série de fatores operava essa substituição. Fatores sócio-econômicos, políticos e culturais; fatores que afetaram a vida civil, como aqueles que afetaram a vida da Igreja”. (LARA, 1988: 49).

A sociedade, desvinculada da Igreja, mesmo que guardando sua religiosidade, não vai mais pedir explicações à teologia, a qual sempre dera a última palavra quando os assuntos eram moral, política, economia, educação, e sim à filosofia, enquanto obra da razão humana. A filosofia inovou e abriu novos horizontes, prescrevendo as tradições daquela cultura. Com isso, foi imprescindível o nascimento de valores como: soberania, leis, governos, direito civil, economia, Estado.

O conceito de sociedade civil, na sua origem romana (societas civilis), que recomendava o alargamento político propriamente dito, foi transformado até mesmo como figura jurídica, a partir da promoção do social nas modernas sociedades burguesas. A partir de então, sociedade civil deixou de constituir o campo em que a força e a agressão naturais eram restringidas e sobrepujadas pela dimensão de civilidade e passou a exprimir a “historicidade” e ampliação do estado natural.

Pensemos no que seria o Estado? O Estado é a organização política que exerce sua autoridade sobre um território concreto. A característica fundamental do Estado moderno é a soberania, reconhecida tanto dentro da própria nação como por parte dos demais estados. O Estado foi instituído pelos membros da sociedade, que delegou poderes a alguns grupos para que tomassem decisões a favor da maioria. Ao Estado foi delegado que se preocupasse com a divisão dos bens, com a saúde, a educação, a cultura e com a “felicidade” dos membros da sociedade.

Lênin, citando Marx, concorda com a definição de Rousseau quando este afirma que o estado surgiu para refrear os conflitos sociais, porém discorda no aspecto do posicionamento do Estado. Conforme Lênin o Estado não paira acima das classes, como pretende Rousseau, mas é sempre Estado representante dos interesses de uma determinada classe, ou seja, a classe dominante no sistema econômico-social vigente. No caso do sistema econômico capitalista o Estado seria, segundo Lênin, Estado da burguesia, ou seja, Estado da classe detentora da propriedade dos meios de produção.

“O Estado não é, de forma alguma, uma força imposta, do exterior, à sociedade. Não é, tampouco, ‘a realidade da Idéia moral’, ‘a imagem e a realidade da Razão’ como pretende Hegel. É um produto da sociedade numa certa fase do seu desenvolvimento. É a confissão de que essa sociedade se embaraçou numa insolúvel contradição interna, se dividiu em antagonismos inconciliáveis de que não pode desvencilhar-se. Mas, para que essas classes antagônicas, com interesses econômicos contrários, não se entredevorassem e não devorassem a sociedade numa luta estéril, sentiu-se a necessidade de uma força que se colocasse aparentemente acima da sociedade, com o fim de atenuar o conflito nos limites da ‘ordem’. Essa força, que sai da sociedade, ficando, porém, por cima dela e dela se afastando cada vez mais, é o Estado”. (LÊNIN, 1983 :05).

O estado capitalista se dividiu basicamente em duas classes. A estas classes Marx denomina: classe burguesa e classe operária, e que nos dias de hoje são os proprietários dos meios de produção (classe burguesa) e os proletários (classe operária). A classe burguesa, com consentimento do Estado, por ser este Estado o representante dos interesses dela mesma, tomou posse dos meios de produção os quais deixaram de ser de propriedade dos trabalhadores. O desenvolvimento do sistema capitalista fez com que a posse dos meios de produção fosse retirada das mãos do trabalhador comum, o qual passou a dispor somente da sua pessoa para materializar sua força produtiva. Este processo (chamado Acumulação Primitiva ou, nas palavras do irônico Marx "Expropriação Originária") durou muitos anos e está magistralmente explosto em uma das maiores obras do marxismo, O Capital, de Karl Marx. Sem a posse dos meios de produção e, portanto, sem ter os meios necessários à materialização da sua força produtiva, o trabalhador teve que vender a sua capacidade produtiva, ou seja, sua força de trabalho a outrem. Assim, passou a ser explorado por aqueles que detinham a posse dos meios de produção, isto é, à burguesia. Com isso, não somente a riqueza ficou concentrada nas mãos de quem tinha os meios de produção, mas também a educação, cujo acesso ainda é privilégio da classe dominante. Mas deixando por hora a sociedade capitalista com sua forma de educação, retornemos ao assunto e tentemos compreender o conceito de educação.

A educação revela os métodos pelos quais uma sociedade perpetua seus conhecimentos, cultura e valores. Na Antigüidade, alguns sistemas educativos ensinavam através da religião e transmitiam as tradições populares. Outros davam ênfase ao estudo da escrita, das ciências, da matemática e da arquitetura.

Os sistemas de educação nos países ocidentais se baseavam na tradição religiosa do cristianismo. Na Grécia antiga, porém, Sócrates, Platão e Aristóteles difundiram a educação objetivando dispor intelectualmente de jovens para ocupar posições de liderança na sociedade. Roma se aperfeiçoou recorrendo a professores gregos e considerou fundamental o ensino da retórica e da oratória. A educação romana transmitiu ao mundo ocidental o estudo da língua latina, da literatura clássica, da engenharia, do direito, da administração e da organização do governo.

“A educação pode muito bem ser, de direito, o instrumento graças ao qual todo o indivíduo, numa sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso; sabemos, no entanto que, na sua distribuição, naquilo que permite e naquilo que impede, ela segue as linhas que são marcadas pelas distâncias, pelas oposições e pelas lutas sociais. Todo o sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que estes trazem consigo”. (A Ordem do Discurso - Michel Foucault).

A palavra cultura vem do termo latim “colere”, e contém, implicitamente, os seguintes significados: cultivar, cuidar, tratar, criar, honrar e preservar. A noção de cultura se refere ao conjunto dos modos de vida criados e transmitidos de uma geração a outra, entre os membros de determinada sociedade. Entendemos por Cultura a transmissão das crenças, conduta, linguagem e forma de vida de um grupo de pessoas em um determinado período e que vai sendo repassada e se adequando às novas gerações. Engloba costumes, cerimônias, arte, tecnologia e, em sua interpretação estética, os êxitos artísticos e intelectuais de uma sociedade. Encontra-se estreitamente associada às formas culturais promovidas pelas instituições escolares e estatais.

Por cultura entendemos “um modo de vida específico que é próprio, e que abarca aquele sistema particular de meios e de mecanismos graças ao qual os indivíduos solucionam os diversos problemas que se lhes deparam no decurso de sua existência” (Sokolov. 1968). Destes meios e mecanismos fazem parte: os instrumentos de trabalho, a consciência, a ideologia, a religião, a moral, os costumes, o vestuário etc.

A sociedade atual, mesmo que com bases inteiramente capitalistas, propaga, através da educação, sua cultura. É através das experiências adquiridas na convivência que concluímos os nossos anseios sociais. A educação era entendida como o caminho para atingir as formas mais elevadas da cultura, tendo por modelo as conquistas já realizadas pelos grupos sociais mais educados, e por isso, mais cultos.

Alguns intelectuais alemães do século XVIII passaram a chamar “Kultur” a sua própria contribuição para a humanidade, em termos de maneiras de estar no mundo, de produzir e apreciar a literatura, de pensar e organizar os sistemas religiosos e filosóficos. A educação compreende o cuidado, a disciplina e a instrução e que é pela ação dessas duas últimas que se dá a formação. Kant afirma:

“Não há ninguém que, tendo sido abandonado durante a juventude, seja capaz de reconhecer na sua idade madura em que aspecto foi descuidado, se na disciplina, ou na cultura (pois que assim pode ser chamada a instrução). Quem não tem cultura de nenhuma espécie é um bruto; quem não tem disciplina ou educação é um selvagem. A falta de disciplina é um mal pior do que a falta de cultura, pois essa pode ser remediada mais tarde, ao passo que não se pode abolir o estado selvagem e corrigir um defeito de disciplina”. (Kant, 1996, p.16)

Para estes intelectuais alemães, ainda que qualquer grupo social pudesse vir a ser civilizado, a cultura seria um atributo dos homens e das sociedades superiores. E nem é preciso lembrar que, para todos eles, era a nascente sociedade burguesa alemã que personificava o mais alto estágio a que tinha chegado a Humanidade... Para eles, os franceses podiam ser civilizados, mas não eram capazes de ter a cultura clássica dos alemães. Eles se sentiam superiores aos demais.

A educação, ainda hoje, é entendida como forma de disseminar às novas gerações as peculiaridades e generalidades da sociedade e de sua cultura. O Estado se apoderou da escola e tornou-a uma instituição cuja finalidade é, da maneira ampla e duradoura, regular a sociedade. E, como descreve Kant, a educação serve como aperfeiçoamento da humanidade.

“Talvez a educação se torne sempre melhor e cada uma das gerações futuras dê um passo a mais na direção ao aperfeiçoamento da Humanidade, uma vez que o grande segredo da perfeição da natureza humana se esconde no próprio problema da educação. A partir de agora, isto pode acontecer. [...] Isto abre a perspectiva para uma futura felicidade da espécie humana”. (Kant, 1996: 16-17).

Referências Bibliográficas:
- LÊNIN, V.I. O Estado e a Revolução – São Paulo: Editora HUCITEC, 1983.
- ROUSSEAU, Jean-Jacques; Do Contrato Social file:///C|/site/livros_gratis/contrato_social.htm [4/1/2002]
- LARA, Tiago Adão. Caminhos da Razão no Ocidente: A filosofia ocidental, do Renascimento aos nossos dias. Petrópolis, RJ: Vozes, 3ª ed., 1988.
- KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 1996

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